Se disserem para Wim Wenders que seu Dias Perfeitos parece filme japonês provavelmente ele ficaria satisfeito. Realizador do documentário-homenagem Tokyo-Ga (1985), o diretor alemão não esconde sua admiração pelo cinema nipônico. E logo no segundo plano de seu novo longa ele apresenta um pillow-shot filmando as copas de uma árvore. É uma alusão ao recurso frequentemente usado por Yasujiro Ozu para dar tempo ao público refletir sobre o que está assistindo. Outros planos de copas de árvores surgem ao longo do filme mas não como pillow-shots e sim como ponto de vista do protagonista, que faz esse registro com uma máquina fotográfica analógica.
Mais importante que isso, a influência japonesa marca a essência de Dias Perfeitos. É um filme sobre a impermanência das coisas, conceito fundamental do budismo. E Wim Wenders e Takuma Takasaki superaram com inteligência o desafio de criar um roteiro sobre isso. A narrativa apresenta a rotina do protagonista Hirayama (Koji Yakusho), um homem na casa dos cinquenta que mora sozinho e trabalha como limpador de banheiros públicos.
Dia a dia
Para começar, o filme cobre todas as atividades de Hirayama durante um dia completo. Inicia no seu despertar de manhã bem cedo, e passa em minúcias pelos passos que ele segue disciplinadamente, até tomar banho e jantar à noite, o que ele faz sempre no mesmo balneário coletivo e no mesmo restaurante. Esse segmento reforça que ele faz questão de realizar um trabalho bem-feito, e que ele fala pouco. Enquanto dorme, uma sequência abstrata em preto e branco representa o seu sonho.
Isso posto, o que mostrar no restante do filme que cobre uns quinze dias (passam-se dois domingos) da rotina de Hirayama? Wenders comprova que é experiente e talentoso o bastante para equilibrar acertadamente as repetições das soluções com algum fato novo. E, nesse quesito, o filme reverencia o seu tema e coloca todos os acontecimentos no mesmo patamar de importância. Assim, a limpeza de uma privada, a visita da sobrinha, a ida a um restaurante mais reservado… enfim, tudo tem valor equivalente. Mas isso não significa que alguns fatos não possam provocar emoções diferente, como o choro porque ele e a irmã tomaram rumos tão distintos na vida.
Uma pessoa comum
Um dos encantos do filme e que impede que um longa sobre a rotina fique entediante é a valiosa construção do personagem central. Só pelo fato de ele falar pouco já significa uma benção para o cinema que, essencialmente, não precisa de palavras para comunicar ideias. Através de seus atos, identificamos uma pessoa íntegra em todos os aspectos. No trabalho, ele valoriza a sua função de faxineiro e a exerce com todo o esmero (diferente da atitude do seu jovem subordinado). Em relação ao meio ambiente, cuida bem das suas plantas em casa e ainda dá valor às árvores dos parques ao tirar fotos delas. Registros, aliás, analógicos como as fitas cassetes que ouve e os livros impressos que lê – objetos que tentam resistir à impermanência. Além disso, Hirayama valoriza a família e recebe de braços abertos sua sobrinha.
O encanto da rotina
Alguns acontecimentos, aliás, levam ao turbilhão de sentimentos que afloram na última cena, que traz um close expressando diferentes emoções. Entre os fatos, destacam-se a despedida do colega (e a consequente decepção do menino com deficiência mental que o procura), a irmã que aparece para buscar a sobrinha, o terreno vazio onde havia algo construído ali (mas que ninguém se lembra do que era), o homem com câncer terminal.
Entre o riso e o choro, Hirayama reflete sobre o tema do filme, que é a impermanência das coisas. As suas lágrimas reconhecem que tudo tem fim, o seu sorriso agradece pelos dias vividos, todos eles dias perfeitos. A rotina tem seu encanto, parece afirmar Wenders, surrupiando o título do filme de seu mestre.
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Sobre o filme:
Dias Perfeitos se destaca pela notável performance de Koji Yakusho, que arrebatou o prêmio de Melhor Ator no prestigiado Festival de Cannes de 2023. Além disso, a produção também conquistou uma indicação ao cobiçado prêmio de Melhor Filme Internacional na 96ª edição do Oscar®, representando o Japão.
Dirigido por Wim Wenders, renomado cineasta conhecido por obras como Paris, Texas e Asas do Desejo, o filme marca seu aguardado retorno ao cinema de ficção.
A estreia nos cinemas brasileiros acontece no dia 29 de fevereiro de 2024.
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Ficha técnica:
Dias Perfeitos | Perfect Days | 2023 | 123 min | Japão, Alemanha | Direção: Wim Wenders | Roteiro: Takuma Takasaki, Wim Wenders | Elenco: Koji Yakusho, Arisa Nakano, Tokio Emoto, Aoi Yamada, Yumi Aso, Sayuri Ishikawa.
Distribuição: MUBI / O2 Play.
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