Luc Besson parece em dúvida. Já consolidado como um bom diretor de filmes de ação, Besson dá sinais que busca um tom mais sombrio em seus filmes. Ou pode ser apenas uma resposta imediatista à leveza da sua aventura fantástica Valerian e a Cidade dos Mil Planetas (2017). Seja lá qual for sua intenção, seus dois filmes seguintes trazem momentos mais sinistros. Tanto Anna: O Perigo Tem Nome (2019) como este Dogman mostram o passado sofrido dos seus protagonistas. Douglas (Caleb Landry Jones), o Dogman do título, foi criado dentro de um canil pelo seu pai abusivo. Por isso, desenvolveu uma relação muito especial com todos os cães. Mas isso acaba suavizando o filme, principalmente quando os cachorros treinados por Douglas se tornam a ferramenta para os seus crimes. Nesse processo, a violência fica fora das telas, e uma licença para o fantástico se faz necessária.
A narrativa fora de cronologia combina com a mente perturbada do protagonista. O filme começa com a sua prisão, trajado como mulher e na direção de uma van com dezenas de cães. Atrás das celas, Doug conversa com a psiquiatra Evelyn (Jojo T. Gibbs), e esse relato fora de ordem se transforma em flashbacks.
A psicopatia
Os momentos de maior violência são mesmo na sua infância. Isso porque o seu pai só acredita na violência. Cria cães de brigas para rinhas e, por isso, submete os animais a um tratamento duro, incluindo deixá-los famintos. O irmão mais velho de Doug segue os passos do pai. Já a mãe não aguenta e foge depois que o caçula é trancado no canil. A raiz da psicopatia do protagonista está nesse berço, que deixou também marcas físicas em seu corpo, pois ficou paralítico das pernas. Para que Doug não pareça um monstro, o roteiro inclui uma passagem sobre seu amor platônico, que acaba numa frustração. Trecho desnecessário, não traz nada de original e ainda enfraquece a trama. Afinal, o Doug adolescente já sofrera o suficiente para fins de humanização.
Soa um pouco apelativo que esse amor inocente tenha introduzido Doug na atuação, e isso a apresentações como drag queen em sua vida adulta. Besson parece forçar a barra para incluir o submundo na história, tentando fazer reverberar o ambiente de Subway (1985), o longa que o lançou internacionalmente. Com isso, aproxima perigosamente a figura do homem transvestido de mulher com a psicopatia, daí isso tudo ser não só desnecessário, como também desaconselhável.
Violência acanhada
De fato, o roteiro do próprio Besson não consegue desenvolver bem o crescimento da violência em Doug em sua vida adulta. Começa com a vingança contra o irmão, que é consistente, mas descamba para um ato benevolente de proteger uma conhecida do mafioso local. Esse fato, incluído à fórceps na trama, é a solução para o enredo colocar um embate final cheio de ação entre Doug e seus cães e esse mafioso com sua turma. O tema de O Poderoso Chefão, em versão cantada, só torna esse enxerto ainda mais artificial. No meio disso, ainda tem a fantasiosa ideia de assaltos a casas de ricos que Doug pratica através de seus cães amestrados. Na verdade, Bresson não soube lidar bem com essa ferramenta animal, nem para os roubos e nem para os ataques. Os roubos parecem vindos de filmes juvenis, e os ataques com cães evitam qualquer violência gráfica.
Como resultado disso, Dogman soa acanhado. Ameaça entrar no submundo e numa mente perturbada, mas nunca consegue isso plenamente. Fica receoso de mostrar violência animal, e erra ao relacionar drag queens com psicopatia. De forte mesmo, só a infância sofrida.
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Ficha técnica:
Dogman | 2023 | 113 min | França | Direção e roteiro: Luc Besson | Elenco: Caleb Landry Jones, Jojo T. Gibbs, Christopher Denham, Clemens Schick, John Charles Aguilar, Grace Palma, Iris Bry, Marisa Berenson, Lincoln Powell.
Distribuição: Diamond Films.
Assista ao trailer aqui.