John Ford dirigiu o ator de variedades Will Rogers em três filmes: Dr. Bull (1933), Juiz Priest (Judge Priest, 1934) e Nas Águas do Rio (Steamboat Round the Bend, 1935). Talvez a parceria se estenderia por mais tempo, mas Rogers viria a falecer em 1935, aos 55 anos.
Em Dr. Bull, Will Rogers domina o filme, assumindo o papel título. Em meio a um elenco de pouco renome, se ele não está em cena, os demais personagens falam sobre ele. O enredo abarca uma crítica à sociedade das pequenas cidades americanas.
O doutor Bull é o médico da pequena cidade de New Winton. Pequena, mas suficientemente populosa para lhe dar trabalho dia e noite. Entre partos, doenças leves e até inexistentes, além de aconselhamentos extra medicinais, ele lida com o desafio de curar um jovem que está com as pernas paralisadas após um acidente.
Porém, desafio maior consiste em sofrer os ataques das velhas alcoviteiras da cidade, sempre bisbilhotando a vida alheia. Principalmente a do Dr. Bull, por ser uma figura proeminente na comunidade. A crítica principal recai sobre a amizade íntima que ele leva há cinco anos com a viúva Janet Cardmaker (Vera Allen), que integra a classe alta da sociedade. Os conselheiros municipais, junto com os economicamente poderosos, também querem derrubar a licença do velho médico e substituí-lo por outro mais jovem.
O povo contra o médico
O interesse pelo filme se concentra mesmo na figura do Dr. Bull, embora o enredo traga alguns personagens cômicos bem engraçados. O protagonista, no entanto, chama mais a atenção porque não tem papas na língua. Diante de críticas, responde com insultos. E não se curva aos capitalistas que cada vez mais inventam meios de cobrar por serviços públicos como água e eletricidade. Segundo eles, o médico é contra o progresso, mas na verdade ele mostra que não, pois aprecia o carrão novo de um amigo. Pelo contrário, pois inicia rapidamente a vacinação contra tifo ao surgirem os primeiros casos, enquanto os ricos é que tomam atitudes reacionárias, proibindo seus filhos de tomarem a vacina.
Contudo, a trama não conclui com clareza o arco do protagonista. Sua licença é, por fim, caçada, mas ao curar os movimentos das pernas do seu jovem paciente, recebe aclamação nas ruas. Apesar disso, resolve se casar, finalmente, com Janet, e o casal parte de trem para morar em outro lugar. Faltou aí uma cena que definisse o que o Dr. Bull sente em relação a essa cidade, que uma vez o adorou, mas depois o rechaçou.
O filme Dr. Bull, concentrado mais nessa trama do que em sua forma, parece mais um veículo para Will Rogers do que um projeto pessoal de John Ford. O olhar apurado de Ford marca apenas alguns momentos, como o início e o final com a chegada do trem na estação, o deslocamento lateral da câmera para apresentar a rua principal da cidade com a igreja no topo, e a mesma vista através da janela do correio. Ademais, a câmera colocada no ponto de vista do proscênio também é outra característica fordiana que se espalha ao longo de todo o filme.
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Ficha técnica:
Dr. Bull | Doctor Bull | 1933 | EUA | 77 min. | Direção: John Ford | Roteiro: Philip Klein | Elenco: Will Rogers, Vera Allen, Marian Nixon, Howard Lally, Berton Churchill, Louise Dresser, Andy Devine, Rochelle Hudson, Tempe Pigott.