E a Festa Continua!, do veterano diretor francês Robert Guédiguian, começa com um noticiário da TV. Dois edifícios de cinco andares desabam no centro de Marselha, resultando em oito mortos. A população da região vai às ruas em protesto contra a prefeitura e os proprietários, que poderiam ter evitado a tragédia. O título do filme, então, surge na tela, em oposição a esse prólogo. Festa?
A estrutura da narrativa começa a se desenhar. A primeira personagem que aparece é Alice (Lola Naymark), uma artista que se voluntaria para trabalhar na igreja que abriga os moradores do prédio que caíram. Ela é a noiva de Sarkis (Robinson Stévenin), filho da protagonista principal, Rosa (Ariane Ascaride). Viúva desde os 26 anos, e agora prestes a se aposentar, Rosa busca uma nova motivação para sua vida. Um caminho é a política, mas ela reluta em se candidatar para as eleições do município. Eis que surge uma inesperada oportunidade de um romance tardio, quando conhece Henri (Jean-Pierre Darroussin), o pai de Alice.
Outros personagens também ganham espaço na trama, todos de alguma forma ligados a Rosa. Cada um com seus dramas pessoais, o que obriga o enredo a sempre retornar a eles para movimentá-los um pouco. Com isso, assume o formato das novelas televisivas. E, num longa metragem, a necessidade de revisitar sistematicamente todos os personagens acaba tirando o tempo dedicado aos protagonistas. Especificamente, aqui enfraquece a história de amor entre Rosa e Henri. Como resultado, E a Festa Continua! se torna arrastado, até porque os problemas dos outros personagens não despertam tanto interesse.
O poder do coletivo
Mas, na parte final, o filme melhora. A narração em off de Rosa dá lugar a sua inesperada recitação de um texto em um espaço urbano vazio, à noite. Parece um devaneio, dúvida que coloca magia nesse trecho. Em seguida, há outro momento especial, ainda mais belo. É o clímax da trama, quando todos convergem para o local da tragédia. Alice toma a frente da cena, fazendo valer seu métier de atriz. Com um megafone, ela inicia a inauguração da praça em homenagem às vítimas.
Essa cena vira a chave do filme para um tema que vai além dos dramas individuais. É a mobilização coletiva que marca atuação ativa desde o desastre, e que estava presente durante todo o enredo. Da manifestação nas ruas do noticiário, passa ao acolhimento na igreja, ao corpo a corpo com moradores que insistem em permanecer em locais de risco, e culmina na inauguração da praça num evento lotado. Isso tudo entrelaçado com a trama, inclusive porque Rosa decidirá se entra ou não para a política como candidata.
E a praça, Pl. du 5 Novembre 2018, realmente existe, o desabamento aconteceu de fato. Portanto, o roteiro se inspira nessa tragédia, o que gera um sentimento especial em relação ao filme. Se os dramas individuais não empolgam, esse final, que enaltece uma coletividade cívica invejável – difícil de vermos por aqui – engrandece o longa de Robert Guédiguian.
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Ficha técnica:
E a Festa Continua! | Et la Fête Continue! | 2023 | 106 min | França | Direção: Robert Guédiguian | Roteiro: Serge Valletti, Robert Guédiguian | Elenco: Ariane Ascaride, Jean-Pierre Darroussin, Gérard Meylan, Lola Naymark, Robinson Stévenin, Grégoire Leprince-Ringuet, Alice Da Luz Gomes.
Distribuição: Imovision.