Em Pedaços mostra quão profundo poder ser um filme sobre vingança.
O diretor Fatih Akin nasceu na Alemanha, mas tem ascendência turca. E isso fornece autenticidade ao tema central de Em Pedaços. Ou seja, o drama vivido por uma mulher alemã, Katja (Diane Kruger), quando seu marido Nuri (Numan Acar) e o filho de cinco anos deles são mortos em um atentado com bomba caseira. A polícia investiga se o ataque tem alguma motivação racial, porque Nuri é turco, ou se trata de um assassinato que envolve o passado de traficante de drogas dele, que já cumpriu pena por isso.
Em três partes
O filme é segmentado em três partes. Na primeira, chamada de “A Família”, conhecemos brevemente Katja, Nuri e o filho, até o atentado, que acontece imediatamente antes de aparecer o título do filme. Alguns recursos estilísticos já se evidenciam e se repetirão no restante da estória. A câmera na mão amplifica o impacto do filme como denúncia, aproximando-o do cinema verdade dos documentários. Ao mesmo tempo, demonstra a falta do equilíbrio social na Alemanha na relação com os estrangeiros que lá residem.
E a primeira sequência representa essa intenção, ao registrar o casamento de Nuri e Katja dentro da penitenciária como sendo captado para um vídeo caseiro. O outro recurso é fotográfico e cenográfico e está na preferência pelas cores esmaecidas, que, além de se prenderem ao tom realista, imprimem também um sentimento triste. E, por fim, várias cenas estão em câmera lenta, principalmente no segundo segmento, “Justiça”, que se passa majoritariamente durante a audiência de julgamento dos culpados pelo atentado. A velocidade reduzida dos magistrados se dirigindo à banca claramente criticam a morosidade do processo judicial.
Nessa segunda parte, um recurso técnico fortalece a construção da personagem principal, na reação de Katja ao receber o veredicto dos jurados. O “zoom out, dolly in” expressa a dificuldade em crer na decisão proferida, que ao mesmo tempo surpreende e desnorteia a personagem. E prepara o espectador para a terceira parte, que leva o misterioso nome “O Mar”.
Vingança
“O Mar” literalmente se explica porque se passa no litoral da Grécia, para onde Katja viaja para encontrar os acusados pelo atentado, que a Justiça não condenou. O objetivo é a vingança, mas não estamos diante de um Desejo de Vingança. A personagem de Diane Kruger não sai por aí eliminando suas vítimas como Charles Bronson ou Bruce Willis. Ela tem seu plano de desforra pronto, mas a solução não é tão fácil.
Enfim, Katja fica indecisa sobre sua decisão, porque ela não é uma matadora profissional ou uma psicopata. Ela sabe das consequências que sofrerá se prosseguir com sua decisão. Fatih Akin, o diretor e roteirista, permite até que a garota suspeita também tenha seu breve momento de refletir sobre seu ato. Assim, a conclusão do filme é genial, representa a solução que a personagem Katja encontrou para praticar o ato planejado sem sofrer com as suas consequências. O título desta terceira parte se explica, então, porque o mar traz de volta para a praia tudo que se joga nele, da mesma forma que nossa consciência.
Em Pedaços funciona em todos os seus diferentes climas, no drama, no policial, no suspense. Muito graças à tocante interpretação de Diane Kruger, que aproveita todo o potencial desta personagem rica e profunda, que sofre uma perda familiar de maneira chocante, sem se vitimizar e sem esconder que possui suas falhas, e que, por fim, está longe de ser uma justiceira fria de um filme hollywoodiano de ação. Fatih Akin criou uma obra muito fiel aos sentimentos humanos, ao mesmo tempo que denuncia aqueles não humanos abraçados pelos neo-nazistas.
Ficha técnica:
Em Pedaços (Aus Dem Nichts, 2017) Alemanha/França, 106 min. Dir: Fatih Akin. Rot: Fatih Akin, Hark Bohm. Elenco: Diane Kruger, Denis Moschitto, Numan Acar, Ulrich Tukur, Johannes Krisch, Hanna Hilsdorf.
Imovision
Entrevista de Diane Kruger e Fatih Akin sobre o filme Em Pedaços
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