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Entre Mulheres (filme)
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Entre Mulheres | Por Sérgio Alpendre

Avaliação:
7/10

7/10

Crítica | Ficha técnica

Filmes de época se fortalecem quando conseguem fazer com que nós, espectadores, sejamos transportados para um determinado passado, acreditando nas regras específicas do ambiente criado ali e nas limitações a que estão sujeitas as pessoas de então.

Entre Mulheres (Women Talking), de Sarah Polley, não é um filme de época. Mas até determinado momento, é como se fosse. Ao menos para o espectador que não lê sinopses previamente. Esse determinado momento aciona uma chave perigosa. Se ela vira e não somos tomados pela operação, o filme corre sério risco de se afundar. Se o espectador vir já sabendo do que se trata, poderá perceber a operação e julgar se ela foi bem ou mal executada, com todas as variações entre um e outro. Em todo caso, a própria realizadora avisa, logo no início: “o que se segue é um ato de imaginação feminina”, numa das ironias com que trabalha com certa inteligência.

Mulheres numa comunidade afastada

Estamos numa comunidade religiosa afastada, onde mulheres são submissas, analfabetas e tratadas como seres inferiores. Elas discutem o que fazer. Se ficam ali e enfrentam os homens da comunidade que as atacam e estupram com alguma frequência, abusando da autoridade patriarcal e chantageando as mulheres com a balela do reino dos céus, ou se tentam a vida em outro lugar, abandonando outros homens (irmãos, pais, filhos, eventualmente até maridos). Havia uma primeira opção, descartada numa ampla votação: não fazer nada. Elas partem para o segundo turno: uma discussão mais interna, com poucas famílias, para decidir.

De repente, ouvimos um carro e uma música pop dos Monkeys (“Daydream Believer”, uma escolha pertinente de Polley). É o recenseamento de 2010, chamando para a necessidade de se pesquisar quantas pessoas vivem ali. As duas adolescentes inseparáveis vão falar com o motorista e mensageiro. É um breve contato, para elas, com a vida fora da comunidade. O recenseador está ali para nos lembrar a todo tempo que, ontem como hoje, a mulher ainda é vítima de um mecanismo patriarcal difícil de ser quebrado, que a mantém em desvantagem e que faz com que a inteligência valha pouco quando tudo conspira contra – desde os já conhecidos meios de descrédito da palavra feminina ao absurdo “ela que provocou” dado como resposta pelos marmanjos solidários com as péssimas atitudes de seus pares.

Implicações políticas

As implicações políticas de Entre Mulheres são óbvias. Não há muita diferença entre essa comunidade atrasada e muitos lugares do mundo, inclusive do Brasil. O grande mérito de Sarah Polley, a partir do livro de Miriam Toews, é evitar que o grupo de mulheres caia num esquematismo em que cada uma delas representasse um tipo de mulher na sociedade contemporânea: a machista, a feminista liberal, a feminista radical que odeia todos os homens da terra, a que faz “textões”, a que gosta de “lacrar” nas redes sociais, a que se isenta, a que problematiza, a senhora experiente, as adolescentes cheias de truques, entre outros tipos que, como esses todos, podem coexistir na mesma pessoa.

Apesar de carregar um pouco na ideia de que seu filme é um discurso político essencial e por isso torna-se automaticamente obrigatório, um filme de prestígio, “necessário”, denominação mágica para colar em adeptos pouco pensantes, Polley permite que cada uma das mulheres ganhe uma dimensão maior, comportando até mudanças radicais de opinião e enfrentamentos mais enérgicos. Ao fazer isso, permite também que o filme adquira uma dinâmica interessante, entre diálogos existenciais e considerações sobre a feminilidade, entre discussões ríspidas e risadas francas, declarações tímidas e cumplicidades momentâneas.

É belo o momento em que elas riem da própria relação que têm com os homens, incluindo aí o jovem August (Ben Wishaw), que voltou da universidade e as ajuda a redigir uma ata da reunião, e as duas adolescentes se entreolham como se perguntassem do que as mais velhas estão rindo. Existem umas mudanças interessantes do tempo narrativo, que não parecem estar ali como moeda da contemporaneidade, mas para ajudar o nosso entendimento do que está em jogo e das personalidades delas.

Unidade e autenticidade

Por mais que a trilha sonora seja por vezes um tanto insistente e que o elenco esteja desigual, com Rooney Mara sublime, Claire Foy e Francis McDormand alternando momentos melhores com momentos apenas razoáveis, as meninas brilhando e Jessie Buckley mal (sua personagem não ajuda em nada), há uma unidade interessante no drama, que lhe confere alguma autenticidade.

A metáfora da porta se abrindo para a imensidão é reiterada a todo momento no filme. As mulheres que procuram novos ares têm tudo para brilhar. É mesmo estranho que essas mulheres ainda estejam ali, pensando no que fazer, e não tenham reagido há mais tempo.

O filme é um retrato do mundo, um desejo de que as mulheres reajam. Como está, não dá mais para ficar. Uma nova manhã nasce no horizonte.

Texto escrito pelo crítico e professor de cinema Sérgio Alpendre, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Entre Mulheres | Women Talking | 2022 | 104 min. | EUA | Direção e roteiro: Sarah Polley | Elenco: Rooney Mara, Claire Foy, Jessie Buckley, Frances McDormand, Judith Ivey, Emily Mitchell, Kate Hallett, Liv McNeil, Sheila McCarthy, Michelle McLeod, Ben Whishaw.

Distribuição: Universal Pictures.

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