“Eraserhead”, o longa-metragem de estreia do diretor David Lynch revela sua obsessão em retratar o universo onírico. Aliás, característica que se tornaria marcante em toda sua posterior filmografia.
E, “Eraserhead” radicaliza essa intenção, pois o filme todo é um pesadelo, realizado com poucos recursos, de forma experimental. A fotografia em preto e branco serve bem ao aspecto econômico da produção. Além disso, remete ao expressionismo alemão, que também trabalhava com a temática dos sonhos. David Lynch parte desse estilo e distorce ainda mais a mise-en-scène. Para isso, recorre a imagens grotescas.
O rosto deformado da dançarina no picadeiro de circo remete a duas obras posteriores de Lynch. De fato, a deformação física representaria o tema principal do seu filme seguinte, “O Homem Elefante” (The Elephant Man, 1980). Essa história, sobre um rapaz com defeitos de aparência que sofre para ser aceito como ser humano, apresenta uma abordagem diferente da enfocada em “Eraserhead”. Depois, aberrações em um picadeiro surgirão na série de TV “Twin Peaks” (1990-1991), desta vez se aproximando do uso dessa cena para criar desconforto.
O grotesco inesquecIvel
O pequeno orçamento de “Eraserhead” colaborou na criação de imagens grotescas. Como resultado, talvez por sua simplicidade na construção, elas se fixam nas nossas mentes e não conseguimos esquecê-las. Por exemplo, o monstruoso bebê que nasce do casal protagonista chora de maneira arrepiante, tanto que a mãe o abandona. Antes, no momento do parto, vermes com cabeças de homens nascem de dentro dela. Outra cena marcante é aquela que o homem faz sexo com a vizinha e a cama se torna líquida e os engole.
Por outro lado, “Eraserhead” permite múltiplas interpretações. Por exemplo, o bebê monstro pode simbolizar o medo da responsabilidade das pessoas em criar um filho. O que pensar, então, da sequência em que o protagonista tem sua cabeça arrancada para ser usada como a ponta de borracha de um lápis (origem do título do filme)?
Enfim, o que importa mesmo, e isso Lynch retrata perfeitamente, é a transposição de um pesadelo para as telas. O filme foi produzido em um momento difícil da história, na década pós-sonho dos hippies, onde se testemunhava atentados, guerra fria, regimes totalitários que torturavam seus opositores.
Em suma, “Eraserhead” se torna o amálgama disse tudo. Ou seja, é uma obra perturbadora que gera sensações desconfortáveis que desejamos que acabem logo, como acontece quando temos um pesadelo.
Ficha técnica:
Eraserhead (Eraserhead, 1977) EUA, 89 min. Dir/Rot: David Lynch. Elenco: Jack Nance, Charlotte Stewart, Allen Joseph, Jeanne Bates, Judith Roberts, Laurel Near, Jack Fisk, Jean Lange, Thomas Coulson, John Monez, Darwin Joston, T. Max Graham, Hal Landon Jr., Jennifer Lynch.
Assista: entrevista com David Lynch (2000)