Estrada Sem Lei reconta a história de Bonnie e Clyde. Desta vez, pela perspectiva da polícia.
O filme Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas (1967), dirigido por Arthur Penn, se tornou um clássico. Ao mesmo tempo, marcou para muitos o começo da Nova Hollywood, que produziu filmes controversos refletindo os conflitos sociais e políticos do final dos anos 1960 e início dos anos 1970. Nele, Arthur Penn prefere assumir o ponto de vista do casal de criminosos Bonnie e Clyde.
Eles roubaram vários estabelecimentos comerciais e bancos, e assassinaram uma dezena de pessoas no início dos anos 1930. Porém, em plena época da Grande Depressão, se tornaram celebridades idolatradas pelas pessoas. Bonnie virou até ícone da moda, e seus vestidos justos e boina viraram febre. E, até o espectador desse filme acaba se encantando com o charme da dupla, ainda mais com a escolha do galã Warren Beatty e da sex symbol Faye Dunaway para seus papéis.
Do lado da lei
Mas, em Estrada Sem Lei, o diretor John Lee Hancock, de Walt nos Bastidores de Mary Poppins (2013)¸ prefere a outra perspectiva, bem mais conservadora, a dos homens da lei. Sinal dos tempos, com certeza. Os protagonistas agora são dois ex-pistoleiros de aluguel, chamados de Texas Rangers, que ganhavam a vida atrás da recompensa paga por capturar bandidos. Essa profissão foi proibida, mas a governadora Ma Ferguson (Kathy Bates), diante do fenômeno Bonnie e Clyde, decide abrir uma exceção para esse caso.
Então, Frank Hamer (Kevin Costner) e seu único companheiro sobrevivente Maney Gault (Woody Harrelson) voltam à ativa. Porém, já estão fora de forma, e assumem como policiais rodoviários (os “highwaymen” do título original).
A caçada aos criminosos depende da astúcia da dupla de rangers. Mesmo contando com a colaboração da polícia, a missão leva vários dias e atravessa diversos estados americanos até surgir uma oportunidade em Bienville, Louisiana. A emboscada, famosa pelo fuzilamento exagerado dos bandidos, ganhou uma versão icônica no filme de Arthur Penn. E, aqui, guarda o mesmo impacto, ainda que com algumas diferenças na operação.
Sem a simpatia do espectador
A intenção deste novo filme é claramente de evitar qualquer simpatia do público pelo casal de criminosos. Por isso, a influência que Bonnie Parker exerceu na moda é ironizada por Frank Hamer. Enquanto isso, o pai de Clyde Barrow pede a Hamer que o filho seja morto, para por um ponto final em suas atrocidades.
Mais importante ainda é que, ao contrário de colocar Warren Beatty e Faye Dunaway em seus papéis, não conseguimos ver o rosto do casal durante todo o filme. A única exceção é a cena final da emboscada, e, bem pouco, porque eles não saem do carro quando são atacados. Tudo isso para que o espectador não repita a impensada idolatria que a dupla de bandidos conseguiu na época de seus crimes.
Torcendo pelos mocinhos
Por outro lado, Estrada Sem Lei investe na criação de empatia com Frank Harner e Maney Gault. Nesse sentido, conhecemos suas famílias, suas habilidades e também suas fraquezas. Contrapondo a Bonnie e Clyde, são exemplos de bom mocismo, fazem tudo corretamente, apesar do passado violento, que era a lei da época.
Harner, por exemplo, não deixa de pagar pelo jornal que pega na loja do pai de Clyde. E Gault não arrisca atirar nos bandidos na cidade, porque pode atingir pessoas inocentes. Após o desmedido fuzilamento dos criminosos, a dupla não comemora. Porém, Harner sente que sua missão foi cumprida, e, simbolicamente, deixa pela primeira vez o volante do carro, para enfim relaxar e deixar Gault conduzir o veículo.
Essa construção da correção desses personagens, porém, envolve muita contação de estórias, de suas aventuras no passado. Esses relatos são transmitidos através de diálogos, e não flashbacks, o que acaba tornando o filme um pouco cansativo.
Nos créditos finais, Estrada Sem Lei apresenta imagens reais dos fatos relatados no filme, inclusive como ficou o veículo de Bonnie e Clyde após a emboscada. É uma história marcante que merecia mesmo uma revisão sob outra perspectiva.
Ficha técnica:
Estrada Sem Lei (The Highwaymen, 2019) EUA. 132 min. Dir: John Lee Hancock. Rot: John Fusco. Elenco: Kevin Costner, Woody Harrelson, Kathy Bates, John Carroll Lynch, Thomas Mann, Dean Denton, Kim Dickens, William Sadler, W. Earl Brown, David Furr, Jason Davis, Josh Caras, David Born, Kaley Wheless, Emily Brobst, Edward Bossert.
