Exorcismo Sagrado (The Exorcism of God, 2021) é o aguardado segundo filme do cineasta venezuelano Alejandro Hidalgo. A expectativa vem da sua estreia com o surpreendente terror/fantasia A Casa do Fim dos Tempos (La casa del fin de los tempos, 2013).
Em relação ao tema, Alejandro Hidalgo faz um filme ousado, não poupando alfinetadas na Igreja Católica. Já no quesito direção, Hidalgo mostra que consegue construir um clima sombrio e sabe selecionar os elementos mais assustadores. No entanto, erra na dosagem, e peca no uso exagerado que conduz à banalização. Fora isso, insere um toque de humor inesperado, que nem todos percebem. Por fim, respeita sua origem latina, e alterna falas em inglês e espanhol seguindo o que é mais coerente para cada situação.
A trama macabra
Há 18 anos, o padre estadunidense Peter Williams, ainda novato, realiza seu primeiro exorcismo num pequeno vilarejo mexicano. Consegue salvar Magali, a moça possuída, mas durante o procedimento, o diabo invade o corpo do padre por alguns minutos, e ele transa com a moça. O padre Peter guarda esse segredo para si, e acaba se tornando uma espécie de santo para os moradores. Afinal, além desse notório exorcismo, que não veio mais a praticar, ele faz trabalhos de caridade, e ainda consegue uma generosa ajuda da Igreja Católica para compra de suprimentos, remédios e equipamentos médicos.
Porém, surgem novos casos de possessão, sendo o mais grave o de uma jovem detenta. Então, o Peter chama o seu antigo mentor, o padre Michael Lewis, para ajudar com os exorcismos. Logo, revelações surpreendentes conectarão Peter a seu passado.
O subgênero do exorcismo
Os filmes sobre exorcismo representam um subgênero muito eficiente do terror. O diretor Alejandro Hidalgo sabe disso e já coloca em uma das primeiras cenas um plano que remete ao provavelmente melhor filme sobre o assunto: O Exorcista (The Exorcist, 1973). Assim, quando o padre Peter chega à casa de Magali e olha para a janela onde realizará o exorcismo, lembramo-nos imediatamente do plano semelhante com Max von Sydow como o padre no filme de William Friedkin. É uma referência construída nos detalhes, com a composição praticamente idêntica à do clássico com Linda Blair.
Por falar em referências, Alejandro Hidalgo traz algumas conexões com seu filme de estreia. A própria presença do padre católico é uma delas. No entanto, mais especificamente, ele reutiliza a cena da pessoa que é sugada para dentro da escuridão. No primeiro filme, foi um menino, e aqui uma noviça. Além disso, as marcas que parecem vários números 11 enfileirados acima de janelas da prisão estavam num espelho de A Casa do Fim dos Tempos, revelando uma data fatídica.
Enfim, voltando a Linda Blair (ou Regan, naquele filme), as pessoas possuídas em Exorcismo Sagrado, a maioria jovens mulheres, seguem a caracterização que O Exorcista praticamente definiu. A maquiagem caprichada, alinhada com as vozes masculinas e os trejeitos retorcidos, constrói horripilantes seres possessos. Porém, ao longo do filme, eles aparecem com regularidade cada vez maior. Com isso, perdem o impacto e assustam menos. Na parte final, quatro mulheres possuídas estão simultaneamente na tela, parecendo um ataque de zumbis.
Jump scare e suspense
Outro elemento do gênero que Alejandro Hidalgo utiliza a rodo é o jump scare, ou o susto que faz você saltar da poltrona (daí o termo em inglês). Quando bem empregado, esse é o efeito. Mas, aqui o uso é banalizado. De telefone que toca a um amigo que coloca a mão no ombro, o jump scare aparece múltiplas vezes em Exorcismo Sagrado. Até mesmo num desnecessário flashback relâmpago enquanto o padre está dentro do táxi, sem contar as várias alucinações. Então, o resultado é óbvio: só um ou outro consegue assustar.
Hidalgo se dá melhor construindo climas. A tensão está sempre presente, sem nenhum descanso durante todo o filme. Nesse quesito, o momento de suspense mais forte é a vagarosa aproximação do padre Peter na igreja vazia, seguindo um rastro de sangue, até encontrar a terrível figura do Cristo possuído.
Uma dificuldade que a direção e o roteiro não conseguiram solucionar é o embate final. Após tantos conflitos e exorcismos, o padre enfrenta o diabo numa luta que não é física, mas de fé. Peter ganha força ao se livrar de seus pecados e a sua fé em Deus poderá vencer o seu adversário sobrenatural. Porém, isso representa uma luta interna, que o filme não consegue mostrar com eficácia. Chega até a ser engraçado a parte derrotada lamentando: “Ok, você venceu!” (não nessas palavras literalmente).
Crítica à Igreja
Em meio ao terror, Exorcismo Sagrado insere algumas inesperadas interpelações cômicas, que o filme nem deixa claro se são propositais ou não. Basicamente, elas ficam por conta do veterano padre Michael. Diferente do protagonista Peter, que quer ser o padre certinho, o padre Michael fala palavrões, é beberrão e não segue todas as rígidas regras católicas. Aliás, sendo um cineasta de origem latina, Alejandro Hidalgo alfineta os estadunidenses preconceituosos, com a seguinte fala desse padre americano, quando se encontra com Peter no povoado: “Se eu vou até o inferno, por que não conseguiria chegar ao México?”. Ademais, quando eles vão até a prisão imunda onde está a detenta possuída, o padre Michael exclama: “Esse lugar não precisa de água benta, e sim de um bom alvejante!”.
Contudo, não é com esse padre que Hidalgo critica mais fortemente a Igreja Católica. A citada figura do Cristo possuído, por exemplo, tem grande potencial para insultar a instituição. Que dizer, então, do padre possuído e fornicador? E dos pactos com o Diabo dentro da Igreja? Além disso, o filme ainda traz à tona a intolerância da Igreja Católica, quando o protagonista prega em seu sermão que os homossexuais e sodomitas não têm lugar no Reino de Deus.
Enfim, Exorcismo Sagrado é intenso, sem momentos de tranquilidade para o espectador. Porém, uma calmaria indesejada vem nos momentos em que os recursos do gênero não funcionam, principalmente pelo uso exagerado dos elementos do terror. Por outro lado, se não é cem por cento assustador, ganha pontos pelo humor inesperado e pelas críticas certeiras escondidas na trama.
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Ficha técnica:
Exorcismo Sagrado | The Exorcism of God | 2021 | 98 min | México, Venezuela, Estados Unidos | Direção: Alejandro Hidalgo | Roteiro: Santiago Fernández Calvete, Alejandro Hidalgo | Elenco: Will Beinbrink, Irán Castillo, Joseph Marcell, María Gabriela de Faría, Hector Kotsifakis, Juan Ignacio Aranda, Raquel Rojas, Eloisa Maturen, Alfredo Herrera, Nuria Gil, Jesse Celedon, Maria Antonieta Hidalgo, Patricia Pacheco, Simona Chirinos, Evelia Di Gennaro.
Distribuição: Imagem Filmes.