O diretor e roteirista Paul Schrader constrói em Fé Corrompida um denso filme existencial sobre religião e mudança climática.
A estória
O reverendo Ernst Toller é o ministro de uma histórica igreja protestante em Snowbridge, no estado de Nova York. A grávida Mary Mensana, uma das poucas frequentadoras do local, o procura para que ele converse com o seu marido Michael. Então, ele descobre que ele é um ativista ambiental radical e que não quer que Mary dê à luz. Afinal, Michael vê com pessimismo o futuro do planeta e acha injusto que seu filho venha a enfrentar esse cenário nebuloso. Na verdade, ele planeja até alguma ação extrema, pois Mary encontra na garagem um colete com explosivos. Porém, antes disso, ele se suicida e deixa uma carta com seus últimos desejos para o ministro.
Enquanto se aproxima de Mary para confortá-la, Ernst começa também a se preocupar com as questões ambientais. Acima de tudo, questiona a sua igreja, a Abundant Life, por ela não se manifestar a esse respeito. Pelo contrário, ela até faz parcerias com Edward Balq, o empresário dono da indústria que contaminou uma região da cidade.
Em breve, acontecerá a celebração de 250 anos da construção da sua igreja, com a presença de Balq e outros políticos da região. O reverendo, então, resolve aproveitar o evento para uma medida extremista.
Referências
O personagem Ernst Toller, interpretado por Ethan Hawke, guarda semelhanças com o Travis Bickle de Taxi Driver (1976). Não é coincidência, afinal, esse filme de Martin Scorsese tem roteiro de Paul Schrader. Para começar, tanto Ernst como Travis são homens em estado perturbado, totalmente pessimistas. Enquanto a desilusão de Ernst se deve à devastação do meio ambiente, a de Travis tem origem na violência e depravação em Nova York. Por causa disso, os dois personagens decidem por uma solução extrema.
Além disso, os dois filmes possuem a narração do protagonista. Em Fé Corrompida, Ernst Toller escreve em um diário os seus pensamentos, que conduzem a estória. Dessa forma, conseguimos acompanhar, intimamente, os conflitos que o atormentam.
Recursos da direção
Para ilustrar esses sentimentos, Paul Schrader recorre a alguns recursos imagéticos. Primeiro, ao optar pelo formato de tela 4:3, ao invés do usual widescreen. Com isso, transmite a sensação do sufoco que o protagonista enfrenta, bem como permite que Schrader deixe fora do quadro alguns personagens ou situações. Por outro lado, a parte final coloca Ernst diante de duas janelas numa cena, e de duas portas em outra, simbolizando sua dúvida angustiante a respeito de executar ou não o seu plano. Além disso, durante o filme, esse personagem está em lugares com poucos móveis, como o refeitório da Abundant Life e a sua casa, indicando assim o seu vazio existencial.
Vale também notar como a trilha sonora insere um tom de suspense em Fé Corrompida. Apesar de ausente em quase todo o filme, a música surge como uma base sinistra nas cenas em que Ernst, gradualmente, resolve seguir os passos do ativista Michael.
A conclusão em 360 graus
E a conclusão é desconcertante. Apesar do final abrupto, que permite diferentes interpretações, a hipótese que se sobressalta é que Mary salva Ernst de seu sacrifício. Aliás, nessa cena, Schrader faz referência a outro de seus roteiros famosos. No caso, de Trágica Obsessão (1976), dirigido por Brian De Palma. Ambos terminam com um longo giro de 360 graus ao redor dos protagonistas que se abraçam.
Em suma, além do seu denso roteiro, indicado ao Oscar, Fé Corrompida também possui uma inspirada direção de Paul Schrader. Mas, a estória tem potencial de levantar muita polêmica pela forma que aborda, a fundo, as questões religiosas e de ativismo ambiental.
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Ficha técnica:
Fé Corrompida (First Reformed) 2017. EUA/Reino Unido/Austrália. 113 min. Direção e roteiro: Paul Schrader. Elenco: Ethan Hawke, Amanda Seyfried, Cedric the Entertainer, Victoria Hill, Philip Ettinger, Michael Gaston.