Podemos analisar o filme italiano Lazzaro Felice (também conhecido como Feliz Como Lárazo) através de três prismas. São eles: o religioso, o fantástico e o político.
Na estória, Lázaro é um jovem bondoso que não vê maldade nenhuma nas pessoas. Por isso, todos na fazenda de tabaco Inviolata, no interior da Itália, se aproveitam dele. Eles sempre pedem para o rapaz fazer algum serviço, que ele cumpre com satisfação. Quando Tancredi, o filho da “Marquesa”. a proprietária, desaparece, a polícia aparece para investigar. Dessa forma, descobre que ela mantém os trabalhadores no local em regime de semi-escravidão.
Décadas depois, todos os personagens envelheceram, exceto Lázaro. Na cidade grande, os trabalhadores da fazenda mendigam e trapaceiam para se sustentar. Já o herdeiro Tancredi está falido.
Religioso
Sob o ponto de vista religioso, Lázaro pode ser entendido como um santo. Afinal, ele sobrevive milagrosamente ao cair de um precipício e, ainda, desperta muitos anos depois sem ter envelhecido. Além disso, ele não se preocupa consigo mesmo. Seu objetivo é contribuir para que as outras pessoas sejam felizes. Por isso, transfere a música da igreja, contratada para um evento privado, para quem necessita. Adicionalmente, a comparação com São Francisco, na fábula contada durante o filme, bem como a devoção religiosa da marquesa, acentuam esse aspecto religioso.
Político
Em paralelo, o filme expõe também uma visão social e política. Nesse sentido, compara a situação dos proprietários e dos trabalhadores antes e depois da intervenção policial. A marquesa é justamente penalizada por escravizar seus trabalhadores. Em outras palavras, é presa e perde suas terras. Como consequência, seu filho Tancredi vive miseravelmente em seu apartamento, único bem que restou à família. Enquanto isso, os trabalhadores se abrigam em um silo abandonado. Agora, eles precisam praticar pequenos furtos e mendigar para conseguir a comida e a moradia que antes a fazenda lhes garantia. Porém, a possibilidade de voltarem ao campo para trabalharem na roça é uma solução descartada. Isso fica evidente na breve sequência onde o antigo gerente dos Tancredi agencia trabalhos autônomos a um preço extremamente baixo. Dessa forma, Lazzaro Felice questiona se a evolução nas relações trabalhistas resultou numa vida melhor para os empregados.
Fantástico
Porém, a diretora e roteirista italiana Alice Rohrwacher aposta mais na abordagem fantástica de Lazzaro Felice. Afinal, ela enfatiza esse aspecto na fábula que Antonia, uma das trabalhadoras de Inviolata, conta a seu filho. Isso acontece exatamente na metade do filme, na transição entre o passado e o futuro. A sua narração alterna imagens dela com a de Lázaro sendo descoberto por um lobo e despertando, depois da queda do penhasco. Então, espelhando esse conto, o animal selvagem reconhece a bondade em Lázaro e não o devora. Por fim, na conclusão do filme, quem ataca esse homem bom são as pessoas. E o lobo ressurge fantasticamente para sair da cidade e voltar ao campo. Afinal, no meio urbanos, há predadores piores que ele.
Aliás, o filme de Alice Rohrwacher não é simplório como sua sinopse pode indicar. A diretora constrói uma primeira parte que conduz o público a acreditar que o longa se encerra ali mesmo. Em outras palavras, com o fim do desaparecimento de Trancredi e a descoberta do regime criminoso de trabalho na fazenda. Então, quando a estória arremete para a segunda parte, ela surge de forma totalmente inesperada, com uma pegada fantástica conduzida pela narração do conto franciscano. Enfim, isentando-se de explicações limitadoras, Alice Rohrwacher abre a possibilidade de várias leituras fílmicas. Dessa forma, enriquece a sua obra.
Cabe, ainda, salientar que o diretor Martin Scorsese é o produtor executivo de Lazzaro Felice. O que é compreensível, pois, provavelmente, suas raízes italianas e sua criação religiosa atraíram o cineasta novaiorquino a esse projeto.
Com tudo isso, Feliz Como Lázaro ganhou o prêmio de melhor roteiro em Cannes, bem como venceu outros 18 prêmios em vários festivais.
Ficha técnica:
Feliz como Lázaro (Lazzaro Felice, 2018) Itália/Suíça/França/Alemanha. 128 min. Dir/Rot: Alice Rohrwacher. Elenco: Adriano Tardiolo, Agnese Graziani, Alba Rohrwacher, Luca Chikovani, Tommaso Ragno, Sergi López, Natalino Balasso, Carlo Tarmati, Pasqualina Scuncia, Nicoletta Braschi.
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