Nesta festa, entramos pelas portas dos fundos, junto com os empregados. Em especial, um renomado jogador de sinuca e um velho seu amigo, e um gaitista, os três protagonistas que foram contratados para o evento.
A festa acontece no andar superior de uma bela mansão na capital paulistana. Enquanto isso, no andar de baixo, esses três personagens principais aguardam o momento de apresentarem seus serviços. Porém, o tempo vai passando e eles ficam cada vez mais inquietos.
Teatro e cinema
Essencialmente, o filme Festa caberia em uma peça de teatro. Afinal, a trama se desenvolve em um só cenário e a narrativa se apoia nos diálogos para construir essa comédia dramática com crítica social. Porém, não se trata de teatro filmado, pois o diretor Ugo Giorgetti emprega habilmente os recursos cinematográficos para contar a história.
Assim, logo nos créditos iniciais, Giorgetti instiga o espectador a adivinhar o que está acontecendo. Sobre o fundo negro com os nomes dos artistas e técnicos do filme, escutamos os diálogos iniciais. Quando a imagem surge, revela-se que o coordenador do buffet contratado para organizar a festa está ditando as ordens para seu pessoal.
Destaca-se, também, o uso recorrente do freeze-frame para indicar a passagem do tempo durante a longa espera dos três protagonistas. Ademais, é interessante como há uma panorâmica no início do filme para revelar a geografia do cenário. Na verdade, a maior parte da ação se concentra emblematicamente no piso inferior.
Essa segmentação dos finos convidados no andar de cima, e os trabalhadores no de baixo, evidencia o aspecto da crítica social do filme. Ou seja, enquanto os ricos festejam, os contratados estão ali para prestar seus serviços. Estes não podem subir, nem reclamar ou provar as comidas e bebidas do buffet.
Os protagonistas
Por outro lado, os três protagonistas não são iguais. Os jogadores de sinuca são malandros, experientes em ganhar a vida com apostas. Mas, o mais novo é classudo, enquanto o velho é um escroto, o primeiro a ceder às tentações da bebida, comida e sexo. Já o músico se caracteriza por ser certinho, um artista que quer ganhar seu sustento com seu talento. Em comum, os três são carismáticos e fortemente individualizados. Nos seus papeis estão Adriano Stuart, Antonio Abujamra e Jorge Lautner, todos ótimos.
Adicionalmente, vários personagens secundários entram na trama, garantindo a diversidade das situações, bem como novas oportunidades de fazer o público rir. Além da rica criação dessas intervenções no roteiro, vale apontar o talento dos atores que os interpretam. Entre eles, Iara Jamra, José Lewgoy e Ney Latorraca.
Por fim, na última cena culmina a crítica social da trama. Os protagonistas param na porta e olham para fora, após receberem seus cachês. A música divertida beira o circense, e vemos essas personagens como se fossem três patetas, ou três palhaços contratados para divertir os convidados. Ugo Giorgetti faz o plano se alongar, mais do que o esperado, para provocar, justamente, uma reflexão do espectador sobre essa situação.
Festa ganhou seis prêmios no Festival de Gramado, entre eles, o de melhor filme, roteiro e ator (Abujamra e Stuart). Em suma, o terceiro longa ficcional de Giorgetti é inteligente – é comédia, mas comédia séria.
Aliás, saímos desta festa com um gosto amargo na boca.
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Ficha técnica:
Festa (1989) Brasil, 1h22min. Direção e roteiro: Ugo Giorgetti. Elenco: Antonio Abujamra, Adriano Stuart, Jorge Mautner, Otávio Augusto, Iara Jamra, José Lewgoy, Ney Latorraca, Marcelo Mansfield, Patrícia Pillar, Lala Deheinzelin.