O filme alemão Filhos do Privilégio (Das Privileg, 2022) faz uma salada com ingredientes que não se combinam e sequer se define entre o terror e a ficção científica. Essa indefinição, na verdade, pode render ótimos resultados, como em Vampiros de Almas (Invasion of the Body Snatchers, 1956) e sua refilmagem Invasores de Corpos (Invasion of the Body Snatchers, 1978), bem como em Alien: O 8º Passageiro (Alien, 1979), filmes que este usou como referência, com certeza, entre outras igualmente óbvias.
No prólogo, o menino Finn Bergmann vê a sua irmã mais velha Anna ser atacada por uma presença estranha, que a leva ao suicídio. Então, a história retoma com Finn quase adulto, sofrendo com alucinações que todos apontam como efeito do trauma da infância. Agora, ele acredita que sua irmã gêmea Sophie está enfrentando o mesmo perigo que Anna. Com a ajuda de sua melhor amiga Lena e de seu crush Samira, ele convoca uma dupla de médiuns para limpar a casa. Porém, logo ele perceberá que o fenômeno é ainda mais misterioso.
Spoilers adiante
A história tenta encaixar teoria da conspiração com sobrenatural. Alguns jovens tomam um medicamente novo e sofrem reações estranhas, agindo como se estivessem possuídos. As revelações surgem de maneira anticlimática, acompanhando o ritmo lento e pouco empolgante do filme. Do nada, o pai de uma das vítimas conta grande parte do segredo para o protagonista, como se os roteiristas não conseguissem melhor solução para explicar a trama ao expectador. Mas, o problema não está na trama, e sim no próprio argumento, cuja maior aposta é surpreender com a ideia de que forças demoníacas utilizam medicamentos comercializados regularmente para se propagarem. O que logo levanta a questão: para que elas precisariam disso? E onde cabe a ideia de criar seres humanos modificados para serem pessoas mais perfeitas?
Para piorar, algumas cenas não fazem o menor sentido. Por exemplo, logo após a experiência aterrorizante com os médiuns, Finn, Samira e Lena passam a noite juntos e fazem sexo a três, como se já tivessem superado o que viram algumas horas antes. Da mesma forma, perto do final, após escaparem dos demônios (de maneira muito fácil, diga-se), Lena se lamenta que perdeu o seu carro, enquanto Samira e Finn se beijam apaixonadamente. Como levar a sério um filme com essas papagaiadas? Por fim, como se já não estivesse tudo estragado, há um mais do que previsível final a la Carrie, a Estranha (Carrie, 1976). Os três sobreviventes caminham se afastando da câmera, mas um deles fica para trás, sem que os outros percebam (!). Então, ela olha para trás e vemos seus olhos endemoniados.
A dupla de diretores
Enfim, Filhos do Privilégio é uma produção da Netflix que aposta na dupla de diretores Felix Fuchssteiner e Katharina Schöde. A credencial deles para merecer esse investimento é a trilogia de aventura juvenil Rubinet (2013), Saphirblau (2014) e Smaragdgrün (2016). Esses filmes, que versam sobre viagem no tempo, estão inéditos no Brasil. Felizmente.
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Ficha técnica:
Filhos do Privilégio | Das Privileg | 2022 | 107 min | Alemanha | Direção: Felix Fuchssteiner, Katharina Schöde | Roteiro: Felix Fuchssteiner, Katharina Schöde, Sebastian Niemann, Eckhard Volmar | Elenco: Max Schimmelpfennig, Lea van Acken, Tijan Marel, Milena Tscharntke, Lise Risom Olsen, Roman Knizka, Horst Janson, Caroline Hartig, Nadeshda Brennicke.
Distribuição: Netflix.