A ousadia de Gaspar Noé explode na tela novamente em Clímax. Nele, reúne temas abordados em seus filmes anteriores. Por exemplo, o sexo destrutivo de Love (2015), as drogas perigosas de Viagem Alucinante (2009) e o estupro de Irreversível (2002).
As multicores e os movimentos frenéticos de Clímax se juntam à música eletrônica incessante. Como resultado, criam uma experiência sensorial inebriante.
Narrativa segmentada
Antes de tudo, o diretor e roteirista argentino Gaspar Noé estrutura a narrativa em segmentos.
Assim, o filme Clímax abre com uma imagem enigmática. Uma mulher se rasteja na neve deixando um rastro de sangue. Essa cena é captada com a câmera bem alta em “bird’s eye” (como a visão de um pássaro). Então, sequência é cortada pelos créditos iniciais que sobem na tela. Ou seja, invertendo o sentido tradicional de cima para baixo.
O próximo segmento apresenta os quase vinte personagens do filme. E isso através dos vídeos das entrevistas de admissão para o que descobriremos ser um grupo de dança. Os depoimentos são exibidos em uma tela de televisão antiga. No cenário, estão pilhas das referências artísticas da companhia (e de Noé) em livros e fitas VHS. Afinal, o filme se baseia em fatos que aconteceram na França em 1996.
Noé alterna câmera fixa com movimentos fluídos. Assim, capta um número de dança com destaque aos solos dos personagens. Desta forma, revela vários artistas talentosos em movimentos incríveis. Certamente, eles deliciarão os apreciadores de dança. Ademais, exceto pela Selva de Sofia Boutella (de Kingsman: Serviço Secreto), os demais personagens são interpretados por dançarinos e, não atores. A música eletrônica pulsante embala essa sequência. E continua por quase todo o filme, dando a sensação de estarmos numa balada bem pesada. Adicionalmente, a dança coletiva permite ao espectador escolher a quem quer observar com mais atenção. Tal qual um voyeur.
Fim da coreografia inicial
Essa apresentação da coreografia final marca a conclusão desse projeto de dança que durou três dias. Então, para celebrar, há uma festa, com algumas comidinhas e bebidas. Entre as opções, está uma sangria. E, aparentemente, ela está batizada com drogas pesadas. Logo, os personagens começam a ficar mais soltos e desinibidos. Em dupla, conversam principalmente sobre sexo. Então, mencionam várias baixarias e revelam a libertinagem que acontece desde o início dos ensaios. Note que essas conversas sofrem alguns cortes rápidos, como fade-outs instantâneos. Com isso, aproximam essas cenas de vídeos editados por amadores. E agrega autenticidade às falas.
O filme divide formalmente essa primeira parte com a segunda. E faz isso através de inusitados créditos que surgem no meio da sua duração. Desse momento para frente, os personagens agem entorpecidos sob a influência de drogas. Supostamente, elas foram colocadas na sangria. Assim, em longos planos-sequências, Clímax expõe os personagens agindo de forma violenta e enlouquecida. Elas se deixam levar por suas angústias, raivas, impulsos sexuais e instinto de sobrevivência. De fato, são cenas brutais e extremas, que incomodam o espectador. E o ponto máximo da loucura é captado com a câmera de ponta cabeça. Além disso, ela se movimenta tortuosamente pelo espaço, com uma luz neon vermelha muito forte. É como se estivessem no inferno.
Como resultado de tudo isso, Clímax faz o espectador vivenciar uma noite de balada alucinada. A música eletrônica pulsa ao fundo e a mente está entorpecida por álcool e drogas, sem consciência sobre seus atos. Definitivamente, esse filme de Gaspar Noé nasceu para se tornar cult.
Ficha técnica:
Climax (Climax, 2018) França/Bélgica/EUA. 95 min. Dir/Rot: Gaspar Noé. Elenco: Sofia Boutella, Romain Guillermic, Souheila Yacoub, Kiddy Smile, Claude-Emmanuelle Gajan-Maull, Giselle Palmer, Taylor Kastle, Thea Carla Schott, Sharleen Temple, Lea Vlamos, Alaia Alsafirm, Kendall Mugler.
Trailer: