No segundo longa do cineasta Armando Praça, Fortaleza Hotel, duas mulheres veem seus sonhos desmoronarem. Shin (Lee Young-Lan) chega da Coreia do Sul para se hospedar no quarto de seu marido, que acabou de morrer. O casal tinha planos de se mudar para o Brasil e viver aqui. Mas, a empresa na qual ele trabalhava descobriu algumas fraudes que esse homem vinha praticando, e ele acabou por se suicidar.
Pilar (Clébia Sousa) é a camareira do hotel que ajuda Shin a arranjar o traslado do corpo. Ela aprendeu inglês e já está com passagens compradas para tentar uma nova vida na Irlanda. Porém, ela precisa abortar essa ideia porque sua filha caiu em mãos de bandidos que querem R$ 10 mil para poupar a vida dela. Sintomaticamente, quantia semelhante representa o custo do traslado do marido de Shin. Assim, o dinheiro se torna o problema que movimentará as ações das duas protagonistas de Fortaleza Hotel.
Sem soluções rasas
O filme evita resolver o enredo com soluções rasas. Vários aspectos impactam, de forma diferente, Shin e Pilar. Em relação a solidariedade, Pilar encontra apoio numa colega do hotel e no namorado, mas a ajuda é insuficiente. Enquanto isso, a Shin só lhe resta como família o cunhado. Porém, este brigou com o irmão, o marido de Shin, e nega enviar qualquer dinheiro.
A história não segue o batido caminho das personagens desesperadas que se fortalecem juntas. Há um momento em que Pilar e Shin, após se embebedarem, dançam e se abraçam juntas. A brasileira acredita que nasce uma união entre elas, apesar da traição anterior, e pretende passar a vidada de ano na companhia uma da outra. Porém, o final em aberto indica que a estrangeira escolheu a mesma solução tomada pelo marido.
Individualismo
Além da desilusão dos sonhos frustrados, no filme impera o individualismo não evidente, aquele que praticamos sem perceber, ou, talvez, sem nos importarmos com os outros. Assim, o marido de Shin se suicida e põe fim aos planos do casal, sem nada lhe falar. Da mesma forma, o cunhado se recusa a ajudá-la, por causa de uma briga com o irmão, que já faleceu e não pode mais ser prejudicado. Por fim, Shin resolve também se suicidar, não se importando muito com Pilar, uma mulher que ela mal conhece e que traiu a sua confiança.
Pelo lado de Pilar, sua resolução de partir para o exterior é, também, um ato egoísta com a filha, que ficaria sozinha em Fortaleza. Então, no desespero para resgatar a filha das mãos dos bandidos, ela resolve trair Shin. Aliás, numa cena muito bem construída, que deixa em suspense se ela realmente está por trás do roubo. Entretanto, seus dois atos individualistas acabam sofrendo um baque, pelo sequestro da filha e pelo suicídio de Shin.
O individualismo pode ser notado também na forma de filmar de Armando Praça, principalmente nos diálogos. O tradicional campo/contracampo possui tempos de corte não tradicionais. Ou seja, quando o outro personagem responde ao primeiro, a câmera se mantém neste, e a resposta fica em off. Dessa forma, nos concentramos no primeiro personagem, refletindo o descaso dele em relação ao que o outro tem a lhe dizer. Um ruído de comunicação evidente, espertamente transformado em cinema, num processo reiterado durante o filme.
Com exceção desse recurso, Fortaleza Hotel é um drama em estilo clássico. Sem complicar, Armando Praça conta a história com fluidez. Ao invés de um hermetismo que seria individualista como o tema do filme, o diretor aqui se preocupa com o público.
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Ficha técnica:
Fortaleza Hotel | 2021 | Brasil | 77 min | Direção: Armando Praça | Roteiro: Isadora Rodrigues, Pedro Cândido | Elenco: Clébia Sousa, Lee Young-Lan, Demick Lopes, Larissa Góes, Ana Marlene, Vanderlei Bernardino.
Distribuição: Vitrine Filmes.
Foto: divulgação/Jorge Silvestre