Ganga Bruta (filme)
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Ganga Bruta

Avaliação:
9/10

9/10

Crítica | Ficha técnica

Ganga Bruta reúne estilo de direção refinado e um enredo brutal.

Em seu segundo longa-metragem para a produtora Cinédia de Adhemar Gonzaga, o diretor Humberto Mauro comprova seu talento como cineasta. Considera-se que Ganga Bruta é o seu primeiro filme sonoro, mas, na verdade, ele é apenas parcialmente sonoro. Devido aos precários recursos para captação de som e sincronismo, somente ouvimos alguns diálogos. Os outros, nas cópias restauradas, são mudos com as falas legendadas.

A linguagem (muda) do cinema

Essa explicação é importante para apontarmos as semelhanças deste filme com as produções dos grandes gramáticos do cinema. Ou seja, D.W. Griffith e Serguei Eisenstein, ambos da era do cinema mudo.

Do russo, encontramos influências da montagem soviética. Por exemplo, na escultura da escada que o protagonista Marcos sobe levando no colo a esposa, logo após o casamento. Primeiro, a câmera se movimenta e coloca a figura monstruosa, ou para alguns jocosa, no centro do enquadramento. Depois, realça ainda mais seu semblante com um plano detalhe. Em seguida, justapõe essa imagem com a do empregado feioso de Marcos.

Aliás, os planos detalhes são um recurso recorrente no filme, dando-lhe ritmo. Assim como as transições relacionando ideias. Por exemplo, as cruzes que conectam a morte, o velório e o casamento, na parte final.

Já a influência de Griffith se encontra nos planos fragmentados, na profundidade de campo e, principalmente, na narrativa clássica americana. Apesar de não existirem sequências com montagens paralelas, Humberto Mauro emprega a linguagem essencialmente visual de Griffith para facilitar ao espectador a compreensão da narrativa. O único senão é o uso de elipses em alguns trechos violentos.

Aliás, a história é um típico melodrama americano, como Horizonte Sombrio (1920), do próprio Griffith. Porém, com muito mais ousadia.

A trama

O engenheiro Marcos mata sua esposa na noite de núpcias, quando descobre que ela o enganara. Naqueles tempos machistas da realização do filme, nos anos 1930, provavelmente ele descobriu que a noiva não era virgem. Então, como sinal daqueles tempos, o júri o absolve por unanimidade. Mas, para fugir dessa tragédia, sai da capital Rio de Janeiro para a pequena Guaraíba, no interior.

Lá, ele será o responsável pela obra de construção de uma fábrica. Ingenuamente, seu colega de trabalho Décio lhe apresenta a noiva Sônia. Logo, Marcos tenta seduzir a moça, criando o grande conflito do enredo.

Brasilidade

De um lado, temos a brasilidade, uma das características de Humberto Mauro que o fez ser exaltado pelo Cinema Novo. Ela está evidente no naturalismo que o diretor retrata da classe operária do interior, seja na briga no bar, ou na dança e na música tocada no violão. E, também na proximidade com a natureza típica do Brasil, nos planos gerais e, em especial, na sedução de Sônia no jardim, e no confronto na cachoeira. Vale dizer que são os momentos mais poéticos do filme.

Nesse sentido, o personagem que melhor representa o brasileiro é Marcos, apesar de ele ser da classe alta. Fisicamente, ele porta aquele bigodinho típico dos latinos. Quanto à personalidade, é sem caráter, passional e sedutor.

A moça do interior, Sônia, é distintivamente brasileira no aspecto de ter sido criada pela mãe de Décio. Ou seja, uma adoção não oficial tão costumeira no país. Além disso, ela também possui a sensualidade latina, e provoca Marcos. Contudo, fisicamente, ela segue o padrão americanizado de beleza, ou seja, loura e magra. Aliás, tal como a esposa assassinada nas núpcias.

O brasileiro bruto

Cabe aqui considerar a hipótese de Humberto Mauro escolher essas duas atrizes loiras com um intuito simbólico. Em outras palavras, elas representam a cultura americana, sempre atraindo o brasileiro. Apesar de o personagem Marcos matar a primeira mulher, ele acaba novamente sucumbindo diante das tentações da nova loira que cruza seu caminho. E, até mata mais uma pessoa, Décio, que o desafia.

Por fim, destituído de padrões morais firmes, acaba se casando com uma mulher que não era virgem. Afinal, apesar da elipse que oculta a violência do ato, Décio certamente estupra Sônia, num acesso de fúria. Ou seja, Marcos ignora, agora, o moralismo machista que o levou ao assassinato da primeira mulher.

Enfim, nesse filme brutal, o primeiro casamento leva a uma morte, e uma morte leva ao segundo casamento. Com seu estilo rebuscado, Humberto Mauro revela que o brasileiro é bruto, tanto na violência como na ignorância que permite a dominação pelo estrangeiro.   

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Ficha técnica:

Ganga Bruta (1933) Brasil, 76 min. Direção: Humberto Mauro. Roteiro: Humberto Mauro, Octavio Gabus Mendes. Elenco: Durval Bellini, Dea Selva, Lu Marival, Décio Murilo, Andréa Duarte, Alfredo Nunes.

Onde assistir:
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