Golpe de Misericórdia surpreende por seu roteiro atípico para o gênero faroeste. A explicação para esse fenômeno recai no fato de ele ser uma adaptação do film noir Seu Último Refúgio (High Sierra, 1941), também dirigido por Raoul Walsh.
Contudo, Golpe de Misericórdia começa num tom de comédia que não tem relação com nenhum dos dois gêneros. Numa divertida sequência, uma velhinha com aparência inocente ajuda um prisioneiro a escapar da prisão. O nome dele é Wes McQueen, interpretado por Joel McCrea, ator que não possui fisionomia de bandido. E, de fato, ele está arrependido de sua vida pregressa fora-da-lei e quer participar de seu último roubo para se casar e viver como fazendeiro.
Aliás, ele só aceita esse golpe derradeiro porque quer retribuir a um já envelhecido chefão do crime pelo fato de tê-lo libertado das grades. A estória se passa na década de 1870, então o transporte que McQueen usa para viajar para o Oeste americano é uma diligência, onde ele conhecerá a jovem Julie Ann (Dorothy Malone).
Depois, ele encontrará dois outros membros da quadrilha em uma pequena cidade abandonada em ruínas. Lá, está também Colorado Carson (Virginia Mayo), uma mulher loira valentona e sedutora que se encanta por McQueen. Mas, McQueen resiste aos encantos de Colorado porque encontrara em Julie Ann a mulher certinha com quem devia se casar.
Faroeste diferenciado
A trama de ação não se assemelha à simplicidade dos faroestes típicos. Aproxima-se, na verdade, dos filmes sobre golpistas, como Golpe de Mestre (The Sting, 1973) e Onze Homens e um Segredo (Ocean’s 11, 1960). Ou seja, todo mundo quer passar a perna no outro. O chefão será enganado por um amigo, que combina com os outros dois membros que McQueen conheceu para fugirem com o produto do roubo. Então, um funcionário da ferrovia diz que facilitará o golpe, mas na verdade ele combinou o esquema com o xerife para receber a recompensa pela captura dos bandidos.
Porém, não é só a estória de Golpe de Misericórdia que transpõe as fórmulas do gênero. O relacionamento interpessoal também. McQueen amadurecerá nesse aspecto durante o transcorrer do filme, principalmente em relação às mulheres. Preconceituoso, ele dispensa Colorado porque ela era uma mulher de bordel. E se apaixona por Julie Ann porque ela é uma moça de família.
Além disso, o filme foge também do modelo de femme fatale do gênero noir. À primeira vista, Colorado parece ser a típica mulher sedutora e traiçoeira desses filmes policiais. Porém, ela se revelará como a que sinceramente quer o amor de McQueen. Por outro lado, descobriremos que Julie Ann é uma moça interesseira, e persegue um outro homem rico em sua cidade natal, e é capaz de tentar entregar McQueen ao xerife para ganhar a recompensa por sua captura.
Várias camadas
Então, conversando com Colorado, McQueen entende que só se apaixonara por Julie Ann porque ela fisicamente se parecia com sua ex-noiva que morreu. Ou seja, um desenvolvimento bem interessante de um protagonista de faroeste, um herói com várias camadas, diferente da ideia simplista de mocinho ou bandido.
E, realmente, os personagens são multifacetados. O xerife, por exemplo, parece um antecessor de Little Bill Daggett. que Gene Hackman interpretou no filme Os Imperdoáveis (The Unforgiven, 1992) de Clint Eastwood. Cruel, o xerife enforca os dois membros da quadrilha de McQueen e os exibe pendurados na corda ao lado do trem na estação. E depois parte com dezenas de homens na caçada impiedosa a McQueen.
Se você acha os faroestes americanos da primeira metade do século 20 simplórios e diretos demais, experimente assistir Golpe de Misericórdia. Raoul Walsh mudará seu conceito.
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Ficha técnica:
Golpe de Misericórdia (Colorado Territory, 1949) Dir: Raoul Walsh. Rot: John Twist, Edmund H. North. Elenco: Joel McCrea, Virginia Mayo, Dorothy Malone.