Hamlet, de Zeca Brito, fracassa como documentário, sobrevive como proposta ficcional.
O grosso de seu material corresponde a registros de um movimento estudantil do ensino médio em Porto Alegre, no ano de 2016. Em preto & branco, com a câmera na mão e um estilo cinema-guerrilha, o filme testemunha, e até participa (uma repórter questiona sua presença) dos atos de protestos. O principal deles é a ocupação de uma escola, mas alcança também manifestações nas ruas e confrontos não violentos com o governo estadual.
Incomoda assistir a uma hora desse material montado. A câmera na mão tenta reproduzir o espírito agitado desses jovens, através de imagens trêmulas, desfocadas e enquadramentos acidentais. Não há preocupação em manter a pessoa (ou o objeto) dentro do quadro, como se o filme entrasse no corpo a corpo das manifestações. Em meio a essa bagunça, o descuidado zoom faz rostos preencheram toda a tela. A captação do som, por sua vez, acompanha esse primitivismo – e mal dá para ouvir o que as pessoas falam.
Com tanto ruído visual e sonoro, o longa não revela quais são as reivindicações dos estudantes. Protestam contra o governador, mas qual é a situação atual e qual seria a proposta não são importantes para o filme. Já assuntos aleatórios, como a conversa sobre belezas estereotipadas, ganham espaço no filme, assim como mostrar como os jovens passam o tempo na escola ocupada.
A ficção em primeiro plano
Isso acontece porque Hamlet tem o seu viés ficcional, que acompanha um dos estudantes, alçado a uma posição de líder. Esse personagem não tem nome, e a conversa que abre o filme justifica: nessa peça de Shakespeare os atores de teatro também não têm nome e eles são os que provocam a mudança na história. Portanto, como os estudantes do movimento de protesto.
A analogia com a obra literária retorna no final, quando o filme investe nas experimentações visuais, básicas por sinal, para retratar os conflitos internos desse jovem que reluta em ser líder e se questiona se a luta valeu a pena (a resposta está no famoso “ser ou não ser”). A partir daí, fica escancarada a encenação – é um ator que interpreta esse estudante. Portanto, não é um documentário de fato. Mas, então, para que expor tanto material desses registros mal filmados que servem mais para mostrar a jornada desse protagonista do que a motivação política em si? Na última cena, esse jovem entrega suas reivindicações para a presidente deposta Dilma Rousseff. Mas aí o filme já se esvaziou de seu cunho político.
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Ficha técnica:
Hamlet | 2022 | 87 min | Brasil | Direção: Zeca Brito | Roteiro: Frederico Ruas, Zeca Brito | Elenco: Fredericco Restori, Jean-Claude Bernardet, Marcelo Restori, Dilma Rousseff.