O diretor indiano Sandeep Kumar está à frente desta produção austríaca selecionada para a competição Perspectiva Internacional da 48ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. O filme Happy, cujo roteiro também é de Kumar, traz a visão de um imigrante ilegal indiano na Áustria que corre o risco de ser deportado.
O personagem, que se chama Happy, se desespera com essa situação, que o afastaria da sua filha de 9 anos que mora numa casa de órfãos após a morte da mãe. A menina é o centro da vida do protagonista, que tenta se sustentar vendendo jornais e entregando panfletos, e ainda se esforça para dar a ela os mimos que ela pede. Dessa forma, ele espera mascarar a pobreza que a envergonha perante as colegas da escola.
A relação entre pai e filha, bem como outras situações da trama, colocam Happy ao lado de Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, obra inaugural, para muitos, do neorrealismo italiano. A miséria dos imigrantes na Europa, por exemplo, se assemelha à do pós-guerra. Mas o que mais aproxima os dois filmes é o fato de Happy, a partir de certo momento, depender de uma mobilete para trabalhar. E daí vem um drama similar…
Direção
Happy é o quinto longa do diretor Sandeep Kumar, que prova que conhece bem o seu trabalho. Sabe onde colocar a câmera, dosar o ritmo dos planos, e usar a edição com precisão. Por exemplo, na primeira cena do filme, quando um agente da imigração interroga o protagonista: o plano se mantém por um longo tempo somente no indiano, captando a suas emoções e criando assim tensão para o público. Aos poucos, a câmera se afasta conforme cresce o nervosismo. O plano mais aberto revela as costas do entrevistador. Então, quando abre finalmente para revelar o seu rosto, esse personagem rigoroso mostra sua faceta humana. Que, aliás, será importante na conclusão da estória.
Roteiro
Mas, se a direção de Sandeep Kumar merece só elogios, o mesmo não vale para o roteiro, também de sua autoria. A intenção de apresentar a dura vida do imigrante indiano, ao invés de buscar o realismo de De Sica, que traria um impacto emocional mais contundente, se perde em liberdades narrativas que soam falsas. O filme, por exemplo, não explica por que Happy, que conduzia uma vida miserável entregando jornais e folhetos, de repente muda a chave e passa a ganhar muito mais trabalhando com delivery. Ora, qual o motivo de não ter optado por isso antes? E como o serviço de motoboy lhe dá uma renda tão substancial que ele consegue alugar um apartamento e ainda comprar os presentes para a filha?
A parte final intensifica essa fuga da realidade, talvez para fechar com um sopro de esperança. A coincidência de reencontrar o agente da imigração é manjada, e o discurso dramático pouco provável. Que dizer, então, da viagem que esconde a verdade como fez o Guido de Roberto Benigni em A Vida é Bela (1997)?
Faltou uma abordagem mais dura para que Happy passasse sua válida mensagem com mais força.
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Ficha técnica:
Happy | 2024 | 110 min. | Áustria | Direção: Sandeep Kumar | Roteiro: Sandeep Kumar | Elenco: Sahidur Rahaman, Lilian Klebow, Roland Düringer, Adam Sandhu, Gisela Salcher, Robert Ritter, Shirin Grace.