Harriet é mais um retrato de uma grandiosa personagem real da época da escravidão nos Estados Unidos. A história se passa em Maryland, em 1849, quando a corajosa mulher do título foge da fazenda onde trabalhava porque estava prestes a ser vendida para um novo proprietário. A venda seria uma punição porque supostamente ela causara a morte do chefe da fazenda ao rezar pedindo isso.
A escrava fugitiva se tornou uma figura heroica porque, depois de chegar ao estado da Pensilvânia, onde não havia escravidão, resolveu retornar várias vezes a Maryland para libertar outros escravos, começando pela sua família.
Apesar da evidente intenção da diretora e roteirista Kasi Lemmons e do co-roteirista Gregory Allen Howard de enaltecer essa valorosa paladina, o filme Harriet se perde num roteiro cheio de furos e estranhas opções que até diminuem a grandiosidade da protagonista.
Um retrato inglório
A improvável sobrevivência na longa travessia de 160 km, solitária, de Maryland até Pensilvânia, essencial para a história e para a valorização da personagem principal, está rápida demais. Não a vemos sofrendo para transpor dias de caminhada, enquanto o bando do filho do dono da fazenda onde é escrava a persegue. Isso reduz até o impacto de sua decisão de voltar para seu lugar de origem para buscar seus familiares.
O filme Harriet ainda machuca o caráter da heroína. Na fuga, apesar de ela demorar para fugir, despedindo-se da mãe e do pai e até do padre, acaba deixando o marido esperando no portão da fazenda, onde o encontrarão para torturá-lo. Posteriormente, ela ainda condenará esse homem por ter se casado novamente, recusando-se a compreender que ele havia se casado depois de um ano sem notícias dela. Antes disso, ela se mostra mal-agradecida com o homem na Pensilvânia que a acolhe depois da fuga.
Harriet ainda parece covarde demais ao, portando uma arma, não fazer nada diante do homem que tortura e mata a pancadas sua irmã. Uma atitude totalmente inconsistente com a bravura da mulher que heroicamente retornou ao estado americano escravagista para conduzir os semelhantes à liberdade. Para piorar o retrato, um amigo dela lhe diz, ao tentar consolá-la pela morte da irmã: “Está tudo bem. Você está salva”, frase que contrasta com o altruísmo da protagonista.
Furos no roteiro
O problema também é o roteiro ter deixado escapar muitos furos, além dessas inconsistências em relação ao caráter do personagem principal. Por exemplo, quando entrevistam Harriet para o registro de escravos fugitivos que conseguiram a liberdade na Pensilvânia, ela responde que a única marca da violência que sofreu é a pancada na testa. Porém, em cena posterior, vemos que suas costas estão repletas de marcas de chicotadas. E não havia nenhum motivo para ela esconder esse fato.
Dessa forma, fica difícil se emocionar com o filme, mesmo num assunto tão edificante como esse. Ainda mais quando força o drama com recursos clichês como a música triste que surge quando ela olha para a amuleto que o pai lhe deu durante a fuga no começo do filme.
Harriet Tubman foi de fato uma louvável heroína, um símbolo de coragem nos condenáveis tempos de escravidão. E merece um retrato à altura, e não esse fraquíssimo e apelativo filme chamado Harriet.
Ficha técnica:
Harriet (Harriet, 2019) EUA. 125 min. Dir: Kasi Lemmons. Rot: Gregory Allen Howard, Kasi Lemmons. Elenco: Cynthia Erivo, Leslie Odom Jr., Joe Alwyn, Clarke Peters, Vanessa Bell Calloway, Omar J. Dorsey, Henry Hunter Hall.
