“Hitchcock/Truffaut”: Um merecido registro em filme do essencial livro
O livro “Hitchcock/Truffaut” é uma das melhores obras sobre cinema já publicadas. É fruto de uma entrevista feita pelo crítico da “Cahiers du Cinema” e também diretor François Truffaut com o consagrado Alfred Hitchcock durante oito dias em 1962. O encontro não foi filmado, apenas seu áudio foi registrado, além de algumas fotografias. Portanto, esse documentário de Kent Jones enfrenta o desafio de retratar o evento com essa restrição de recursos.
Jones copia o que ele mesmo havia utilizado em “A Letter to Elia” (2010), outro documentário sobre cinema, este a respeito de Elia Kazan. Em ambos, encontramos o uso de um cineasta e amante da sétima arte como ponto estrutural da narrativa. No retrato de Kazan, Martin Scorsese relatava a história do diretor como uma biografia. Em “Hitchcock/Truffaut”, Scorsese é apenas um entre vários cineastas a concederem seu depoimento para o acontecimento, sem preocupação biográfica.
Sem poder contar com registros em vídeo e testemunhas do encontro, o documentário recorre a nomes conhecidos do cinema. Além de Scorsese, comparecem Wes Anderson, Peter Bogdanovich, David Fincher, Richard Linklater, e outros. E, sob a narração do ator Mathieu Amalric, entendemos como surgiu a entrevista, a partir de uma admiração do crítico francês e do respeito que Hitchcock já reservava a ele.
Algumas vantagens em relação ao papel
Quando a entrevista se inicia, escutamos partes dos áudios da época, ilustradas com imagens do livro e também cenas dos filmes referenciados. Nesse sentido, notamos uma vantagem do vídeo em relação à publicação em papel. Assim, enquanto ouvimos o que Hitchcock e Truffaut dialogaram a respeito de “Um Corpo Que Cai” (1958), com os adendos dos cineastas de hoje, assistimos às cenas comentadas. Em particular, aquela em que Kim Novak aparece transformada de acordo com as instruções de James Stewart. Segundo afirmação do próprio mestre do suspense, este é o seu filme preferido.
Contudo, o documentário não pretende seguir à risca cada capítulo do livro, o que, sinceramente, seria maravilhoso. Porém, resultaria em uma série com dezenas de horas. Então, alguns trechos foram selecionados e ilustrados como explicado acima. Contudo a própria obra igualmente ganha foco como assunto do filme, através da boca dos cineastas que confessam sua importância em sua formação.
Por outro lado, o livro tem uma relevância didática não intencional. As questões levantadas e comentadas pelo profundo conhecedor de cinema, François Truffaut, são respondidas por quem colocava seu expertise em prática. Ou seja, Hitchcock, que dirigiu várias obras que se tornaram sinônimo da própria arte. Como resultado, criaram uma bíblia para quem deseja entender a linguagem do cinema.
Enfim, “Hitchcock/Truffaut ” é uma obra referencial que ganha aqui um merecido registro no formato de filme, que é o seu próprio assunto em si.
Ficha técnica:
Hitchcock/Truffaut (2015) 79 min. Dir: Kent Jones. Rot: Kent Jones, Serge Toubiana. Com Mathieu Amalric, Wes Anderson, Peter Bogdanovich, Arnaud Desplechin, Olivier Assayas, David Fincher, James Gray, Kiyoshi Kurosawa, Richard Linklater, Paul Schrader, Martin Scorsese, Alfred Hitchcock, François Truffaut.
Ouça: primeira parte da entrevista de Truffaut com Hitchcock