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Hotel Monterey (filme)
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Hotel Monterey | Por Enrico Mancini

Avaliação:
10/10

10/10

Crítica | Ficha técnica

O cinema de Chantal Akerman vem recebendo cada vez mais atenção, o reflexo disso é seu Jeanne Dielman (1975) tendo sido eleito o melhor filme da história pela Sight and Sound em 2022. Nada mais justo que outros filmes da francesa viessem à tona em novas críticas, interpretações e estudos, porém a impressão que eu tenho é que Hotel Monterey fica parcialmente à deriva. O texto a seguir compõe meu trabalho de conclusão de curso na faculdade de cinema, que apesar de ser focado em Luiz Sérgio Person, toma liberdade de passear pela história da sétima arte.

Fazendo curta-metragens desde a segunda metade da década de 1960, com Exploda Minha Cidade (Saute ma ville, 1968) e o já evidentemente estrutural O Quarto (La Chambre, 1972), Hotel Monterey é o primeiro longa-metragem da cineasta.

A história por trás do filme

Tendo morado por três ou quatro semanas naquele lugar, Chantal se junta à diretora de fotografia Babette Mangolte (recorrente no começo de sua carreira) e decide filmar o barato hotel de Manhattan que dá nome ao filme. A ideia era ficar por 24 horas lá, o que nem aconteceu, já que segundo Mangolte, elas começaram a filmar já na metade da tarde – foi apenas um dia de filmagem.

Akerman e a travessia óptica do espaço

O longa, que não tem diálogos, se sustenta no poder visual durante seus 65 minutos, com os quadros internos ao enquadramento sendo um dos motivos principais de Akerman. Explorando muito da arquitetura do hotel, a diretora, especialmente nos planos dos corredores, cria imagens em que há uma espécie de travessia óptica do espaço, bem parecida com os doorkijkje (mais sobre no decorrer do texto).

No plano destacado abaixo, a parede toma quase um terço da composição, com sua sólida opacidade em primeiro plano, colocando em perspectiva a profundidade do espaço no corredor. Com as luzes brancas que se tornam mais oblíquas à medida que o olhar percorre, Akerman convida o espectador a afunilar sua visão pelo espaço.

Hotel Monterey (1972)

Em um texto publicado na Foco revista de cinema, Luiz Carlos Oliveira Jr. escreve sobre “As Pantufas”de Samuel van Hoogstraten: “O observador é convidado por essa série de portas abertas a um puro exercício escópico, que coloca em cena a pintura e a visão por ela engendrada. O quadro parece ser inteiramente construído em função de sua percepção” (OLIVEIRA JR, 2021).  É muito interessante notar como esse mesmo texto pode fazer referência a Hotel Monterey, como o plano mostrado abaixo pode exemplificar.

Hotel Monterey (1972)
Doorkijkje: um motivo cinematográfico por excelência

A elaboração de um motivo composicional em que se tem reemolduramentos no quadro não é nova. Já na idade de ouro da pintura holandesa vemos obras como as de Samuel van Hoogstraten, mais especificamente as ligadas ao doorkijkje – que é toda a superfície da imagem pictórica que se apresenta como o vão de uma porta (OLIVEIRA JR, 2021) – temos exemplos claros do que eu chamaria de “espaço como moldura”. A seguir dois exemplos, “As Pantufas” (1654-62) que foi mencionado acima, e “Vista de um Corredor” (1662) respectivamente.

As Pantufas (1854-1962)

Vista de um Corredor (1862)

A câmera sucumbe à pulsão escópica       

Em certo ponto de Hotel Monterey, exatamente aos quarenta minutos de rodagem, a câmera cede à pulsão escópica e faz um travelling descendo pelo corredor até uma janela, primeira movimentação de câmera mais ostensiva até o momento – antes a câmera fazia leves reenquadramentos. Vamos até o fim do corredor, chegando à janela, e voltamos, na velocidade dos passos de uma pessoa. A câmera penetra o espaço e retroage ao ponto inicial de forma contínua por cinco minutos, o deleite da intromissão da câmera pelo espaço é prazeroso.

Está escuro, de noite, e cada vez que a câmera repetidamente se aproxima da janela, o que vemos através dela fica gradualmente mais concebível: conseguimos distinguir um prédio do outro lado da rua, e uma rodovia em terceiro plano.

Hotel Monterey (1972)

Depois de cinco minutos, temos um corte, agora durante o dia, com a janela já clara; e voltamos ao movimento percorrendo o corredor, até que, depois de quatro minutos e meio fazendo novamente isso (descendo até a janela e retornando ao ponto inicial) e sempre deixando a vista pela janela mais compreensível… a câmera para no meio do corredor, e temos um corte bruto para a janela já nítida. Nesse sentido, esse momento se aproxima de Serene Velocity (1970), de Ernie Gehr, que faz o mesmo movimento de penetração e retroação do espaço de um corredor por meio de cortes. 

Até que a câmera para no meio do corredor (abaixo)

E corta diretamente para a janela já nítida (abaixo)

Hotel Monterey (1972)

Os retratos

Ainda sobre o filme, temos verdadeiros “retratos”. Com cerca de quatorze minutos de rodagem, a diretora já nos impacta com a figura de um homem sentado e com expressão fixa, durante mais de um minuto a percepção do plano se dá basicamente como uma pintura. Poucos minutos depois, em um dos mais elegantes planos, vemos uma figura feminina sentada em um dos quartos. A câmera a vê pela porta aberta, e a estrutura vertical cria um enquadramento perfeito, um verdadeiro tableaux. A iluminação interna do quarto é diferente da do corredor, o rosto da mulher está virado para o lugar onde não vemos; tudo, desde a forma como está sentada, suas mãos, seu cabelo, remete à composição pictórica, claramente referenciada aqui.

Hotel Monterey (1972)

A abertura e o fechamento do campo perceptivo

Para concluir o texto – que poderia se alongar muito mais – a entrada do olhar no campo de percepção é sempre facilitada pelas portas abertas, que atraem a atenção do espectador. Porém, ainda com cinco minutos de filme, a câmera se enfia no elevador.

Temos em um mesmo plano uma interessante alternância entre opacidade e profundidade, gerada pela abertura e fechamento da porta do elevador, logo, desse campo perceptivo.

E o mais curioso disso, é que o piso do andar do hotel parece fazer uma rima, despropositadamente, claro, com “Vista de um corredor”, de Hoogstraten. No fim, Hotel Monterey questiona muito da condição do aparato cinematográfico, enquanto composição, movimento e duração (sobre este último nem entrei neste texto, para não transformar a crítica em artigo, mas que é importantíssimo para a percepção do drama do filme).

Referências:

CAIXAS ÓPTICAS: MICHAEL SNOW, JEAN-CLAUDE ROUSSEAU E A PINTURA HOLANDESA DO SÉCULO XVII por Luiz Carlos Oliveira Jr. (2021) em FOCO Revista de Cinema. Disponível em: http://www.focorevistadecinema.com.br/FOCO8-9/lcodv.htm

Texto escrito pelo crítico e universitário de cinema Enrico Mancini, especialmente para o Leitura Fílmica.

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Ficha técnica:

Hotel Monterey | Hôtel Monterey | 1973 | 65 min | Bélgica, EUA | Direção e roteiro: Chantal Akerman.

Onde assistir:
Hotel Monterey (filme)
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