No filme Huesera, da mexicana Michelle Garza Cervera, a gravidez e o parto são a origem do terror. A metáfora é expressamente explicada em um dos diálogos, quando a sogra da protagonista acalma a horrorizada nora, grávida pela primeira vez. Segundo essa senhora, o corpo da mulher sofre nessa fase uma profunda transformação, que provoca reações emocionais. No caso, Valeria (Natalia Solián) vê recorrentes aparições de uma mulher sem rosto fazendo movimentos que distorcem seus membros.
Assombração ou alucinação? Em uma das cenas, o espectador (note que não é o ponto de vista de Valeria) testemunha a mulher retorcida se arrastando para dentro do apartamento, enquanto a protagonista se encontra do outro lado na escada. Com isso, o filme confirma a presença do sobrenatural nessa história. Porém, isso não a impede de ser um terror com fundo psicológico. Aliás, alguns flagrantes questionam o estado mental de Valeria. Por exemplo, o estalar nervoso de seus dedos, o frango sendo desossado, as aranhas. Além disso, as crianças olham para ela e fazem careta, o que reforça a sua fama de não gostar delas. Há outros comportamentos mais perigosos, mas já como reação às aparições.
Roteiro robusto
O enredo aprofunda a construção da personagem principal. Assim, os flashbacks revelam que ela era uma jovem punk e tinha uma namorada. Porém, resolveu abandonar esse seu lado rebelde para se formar e se casar para ter filhos. E, comparando o sexo que ela faz com o marido, no início do filme, com o que ela faz com a namorada que ela reencontra, fica evidente que o prazer lésbico é muito mais intenso para ela. O que, então, acrescenta mais um motivo, talvez o principal, para o terror que assola a sua vida. Ou seja, as aparições servem para alertá-la que ela não será feliz nesse cenário de aparências. Como consequência, na conclusão ela redireciona seu caminho.
Trata-se, enfim, de um roteiro robusto. No entanto, Huesera não consegue esconder seu baixo orçamento. Essa impressão vem da fotografia feia, dos atores ruins (principalmente o que interpreta o marido), da maquiagem mal-feita ou inexistente, e das locações (que parecem casas e apartamentos de conhecidos que a produção conseguiu emprestado). Na direção, Michelle Garza Cervera, estreante em longas, faz o que pode. Tenta sobre-enquadramentos, molduras e movimentos com a câmera na mão sem exageros. No quesito efeitos especiais e visuais, a primeira aparição (a mulher sem rosto se estatela no asfalto após se jogar da varanda) impressiona. Pena que o filme não consiga extrair o mesmo impacto nas outras vezes que ela surge na tela. E deixa só na expectativa de mostrar a protagonista também retorcendo seus membros.
Em suma, um roteiro bom, mas um filme fraco. Huesera é um ótimo candidato a uma refilmagem com orçamento maior.
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Ficha técnica de “Huesera”:
Huesera | 2022 | 97 min | México, Peru | Direção: Michelle Garza Cervera | Roteiro: Michelle Garza Cervera, Abia Castillo | Elenco: Natalia Solián, Alfonso Dosal, Mayra Batalla, Mercedes Hernández, Sonia Couoh.