I Saw the TV Glow é um filme com a cara da A24, que conquistou reputação de estúdio de cinema moderno, com obras originais e com um quê de enigmático e estranho. Aposta em projetos inovadores de novos cineastas, como a novaiorquina Jane Schoenbrun.
Schoenbrun parece que construiu esse roteiro em cima da decepção que sentimos quando revisitamos na idade adulta um filme ou série que nos encantou quando éramos criança ou adolescente. Essa sensação está estampada no trecho de I Saw the TV Glow em que o protagonista e narrador Owen (Justice Smith) comenta que se sentiu envergonhado quando reviu, uns trinta anos depois, o seriado “The Pink Opaque”, que foi tão mitológico no seu crescimento.
Quem o introduz à série é Maddy (Brigette Lundy-Paine), que está no 9º ano enquanto Owen está no 7º. Como a TV a exibe tarde da noite, às 22h30, ele não consegue assistir porque o pai o obriga a dormir mais cedo. Então, o garoto precisa mentir para passar a noite da casa de Maddy para ver o programa. Essa desobediência ao pai rigoroso tem papel fundamental no enredo. Reforçando tal aspecto, Maddy grava em VHS os episódios para o seu novo amigo assistir depois às escondidas. Segundo o pai, o programa é para meninas.
Jane Schoenbrun
Sem a afetação que mancha muitas produções da A24, aquela necessidade forçada de aparentar modernidade, Jane Schoenbrun revela um estilo diferenciado usado em prol da narrativa. Preocupa-se em revelar o que o protagonista sente e pensa, seja através de um longo monólogo, na quebra da quarta parede, ou em alucinações (com a cabeça enfiada na TV, por exemplo). Para entendermos como evolui o relacionamento dele com Maddy, a diretora emprega um longo plano com o garoto caminhando pelos corredores da escola e variados rabiscos e desenhos pululam na tela, demonstrando o que ela coloca no bilhete que acompanha a fita que ela deixa para ele com o episódio do seriado.
Em resumo, o estilo de direção de Schoenbrun agrada. Ela filma bem, sem trepidações desnecessárias da câmera, usa a cor e os planos adequados. Além disso, busca no intenso uso da música e nos grafismos na tela o toque moderno que marca o estúdio para quem ela faz o filme.
Temas
Em relação ao tema, I Saw the TV Glow lida com o amadurecimento. Revela que o que tinha importância primordial na juventude parece valer menos quando nos tornamos adultos. Em certo ponto da trama, o Owen adulto revisita o programa “The Pink Opaque” que marcou sua juventude, mas não vê mais graça nele. Acha-o até ridículo e se envergonha por ter sido um fã obcecado dele. No entanto, uma sequência em tom fantástico perto do final indica que não devemos perder o entusiasmo juvenil. Precisamos manter esse brilho dentro de nós.
Por outro lado, o filme também é uma metáfora sobre a homossexualidade. Lembrando que a história se passa nos anos 1980, o enredo reforça o quão ousado era sair do armário naquela época. Maddy sofreu por isso, pois foi acusada de se insinuar para a sua amiga que também era fã de “The Pink Opaque”. Maddy some no meio do filme, atravessa para o mundo fantástico da série, e convida Owen a ir com ela. Mas ele foge. Um rápido trecho, quase um flash, mostra Owen com uma roupa de alças (provavelmente um vestido), se olhando no espelho e sorrindo.
I Saw the TV Glow deixa subentendido que Owen optou por não se assumir gay. Casou-se e teve filhos – mas a família dele nem aparece, o que evidencia que ele não ficou feliz com sua decisão. Afinal, o brilho da outra opção continua dentro dele.
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Ficha técnica:
I Saw the TV Glow | 2024 | 100 min | EUA | Direção: Jane Schoenbrun | Roteiro: Jane Schoenbrun | Elenco: Justice Smith, Brigette Lundy-Paine, Ian Foreman, Helena Howard, Lindsey Jordan, Danielle Deadwyler, Fred Durst, Conner O’Malley.