Il Buco é o terceiro longa do diretor italiano Michelangelo Frammartino, um cineasta autoral que sempre filma seus roteiros em projetos nada ortodoxos. E é este o filme que encabeça a lista dos melhores filmes de 2022 segundo o nosso crítico Sergio Alpendre (veja a lista completa aqui).
O filme retrata a descoberta de uma caverna em 1961 na Calábria, em Monte Pollino, no desfiladeiro de Bifurto, por um grupo de jovens espeleologistas. Considera-se que essa caverna é a terceira mais profunda do mundo, com 687 metros. Aliás, retratar se encaixa perfeitamente no conceito desse longa-metragem essencialmente pictórico. Afinal, em algumas cenas, a mise-en-scène se aproxima de pinturas, inclusive com seus pontos de fuga. Assim, a imagem substitui as falas, o que fica evidente para o espectador estrangeiro, já que as legendas só entram dentro da reportagem transmitida pela televisão em preto e branco em um bar que mostra o apresentador subindo pelo lado externo de um edifício moderno no norte da Itália. O contraste é evidente pois a narrativa principal reconstrói o projeto no sul rural e não desenvolvido onde os personagens se projetam para as profundezas. O norte surge em imagens em preto e branco, o sul em colorido, o que denota o julgamento de valor do realizador do filme.
Mas esses opostos se aproximam na busca do retrato autêntico da vida como ela é. No programa da TV, o câmera flagra pela janela as pessoas trabalhando dentro dos escritórios. Enquanto isso, o diretor Frammartino filma seguindo a ideia de André Bazin de retratar a realidade. Por isso, os personagens são anônimos. Aliás, mais que anônimos, são indistintos, pois quase nem vemos seus rostos, uma vez que os planos são distantes ou escuros.
Um personagem dramático
O capricho em captar com os melhores enquadramentos e com a mais bela fotografia se destaca em todo o filme. Por isso, se assemelham a pinturas, principalmente nas cenas noturnas. De fato, o esmero é tanto que até a mesa do espeleologista é vista de um ângulo minuciosamente planejado. Os detalhes, também, resultam de uma elaboração prévia e seguem uma finalidade. Por exemplo, o recorte da revista com o rosto de John F. Kennedy confirma a época em que o filme se passa, informação sugerida anteriormente pelas imagens transmitidas na televisão de tubo.
A exploração da caverna, com isso, ganha ares de registro documental. Mas, na verdade, é uma reconstrução do que aconteceu. Nesse sentido, o filme é absolutamente objetivo. A carga dramática se resume ao pastor de gado idoso. Ele aparece logo na primeira cena, com seus gritos específicos que conversam com os bois e as vacas. Mas, conforme os exploradores avançam para o fundo da caverna, sua saúde se enfraquece. Reside aí a ousadia narrativa de colocar a exploração como se fosse uma invasão, como de fato é. A natureza ferida, então, está representada por esse senhor de idade que vem a falecer. Porém, seus gritos continuam a ecoar, concluindo o filme em um inesperado tom fantástico.
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Sinopse:
Durante o boom econômico da década de 1960, o edifício mais alto da Europa está sendo construído no próspero norte da Itália. Do outro lado do país, jovens espeleólogos exploram a caverna mais profunda da Europa no intocado interior da Calábria. O fundo do Abismo Bifurto, 700 metros abaixo da Terra, é alcançado pela primeira vez.
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Ficha técnica:
Il Buco | Il Buco | 2021 | França, Itália, Alemanha | 93 min | Direção: Michelangelo Frammartino | Roteiro: Michelangelo Frammartino, Giovanna Giuliani | Elenco: Claudia Candusso, Paolo Cossi, Mila Costi, Carlos José Crespo, Jacopo Elia.
Distribuição: Zeta Filmes.