Ilusões Perdidas leva para as telas uma parte do romance homônimo de Honoré de Balzac. O filme se concentra na malfadada tentativa do jovem Lucien de Rubempré (Benjamin Voisin) de realizar seus dois maiores sonhos. O primeiro é o de viver seu amor com Louise de Bargeton (Cécile de France), uma nobre mais velha e casada. O segundo sonho é publicar seu livro de poemas e se tornar um escritor. Louise parte da província de Angoulême para Paris quando seu marido descobre sobre o caso extraconjugal, e Lucien a acompanha.
O diretor francês Xavier Giannoli se preocupa em reconstituir convincentemente a época em que a trama se desenrola, o século XIX. Fez algo similar em seu filme Marguerite (2015), cuja história se passa em 1920. Porém, ao lado dos figurinos e dos cenários antigos, Giannoli nos surpreende com cenas inventivas, ainda que em doses cirúrgicas, para não atrapalhar o andamento da densa narrativa. Como exemplo, temos a tinta de impressão que se espalha por uma folha de papel, simbolizando os esquemas do jornalismo corrompido. Porém, o trecho mais alucinado reproduz o momento em que o sucesso sobe à cabeça de Lucien. Nessa cena, vemos o ator Benjamin Voisin deitado flutuando, com a câmera acompanhando seu rosto, enquanto objetos que representam luxo e riqueza passam por baixo dele.
Origem literária
Desde o início, Ilusões Perdidas conta com uma voz que narra sentenças que parecem diretamente extraídas do livro de Balzac. O teor literário demanda a atenção do espectador, assim como os poemas escritos e lidos por Lucien durante o filme. Dessa forma, Xavier Giannoli parece fazer questão de conectar seu longa com o livro que o originou. Mais que isso, o recurso da narração contribui para dar ritmo ao enredo, notadamente durante a montagem que explica o esquema de faturamento dos pequenos jornais que publicam matérias vendidas. Ainda em relação ao narrador, apenas na conclusão é que conhecemos sua identidade.
A trama revela que o provinciano Lucien repetidamente se ilude sobre seus sonhos. Por exemplo, deseja o título de nobreza da família de sua mãe, que ele não herdou porque ela se casou com um homem pobre. Contudo, esta tarefa se mostra impossível, como o narrador confessa. O amor por Louise, então, possui ainda mais obstáculos, pois, além de nobre, ela já é casada. Já sua intenção de ser um escritor se torna ainda mais difícil quando ele se deixa seduzir pelo jornalismo corrompido. Porém, nesse trajeto imoral, ele carece da malandragem de seu mentor Etienne Lousteau (Vincent Lacoste). E o seu súbito ímpeto de crítica honesta lhe proporciona tanto o sucesso como a decadência.
Integridade
Aliás, em paralelo à jornada do protagonista Lucien, Ilusões Perdidas levanta o tema da integridade dos jornalistas e dos críticos de arte. Antecipando a atual era das fake news, no filme os jornais publicam matérias que podiam prejudicar ou beneficiar as pessoas retratadas, em troca de pagamento. Dessa forma, Lousteau ganha dinheiro e poder, e Lucien segue seus passos. O problema é que ele transitou entre lados opostos, e, com isso, ganhou poderosos inimigos. Nesse meio sórdido, a única alma boa é Coralie (Salomé Dewaels), uma jovem atriz que se torna a namorada de Lucien.
Esse aspecto do jornalismo desonesto enriquece o enredo, trazendo um assunto incomum para um filme que se situa no século 19. A princípio, tem-se a impressão de que a trama desenvolverá o amor impossível entre Lucien e Louise, o que já foi retratado em várias outras produções. No entanto, Ilusões Perdidas surpreende e deixa o romance em segundo plano. Sábia decisão, pois dessa forma a história ganha uma atualidade que engaja com força o espectador. No terço final, o ritmo cai um pouco, junto com o fracasso de Lucien, porém, mesmo assim, o público sai com a impressão de ter visto um relato empolgante. Flerta com a ilusão de um final feliz, mas se mantém realista quanto às chances de um provinciano pobre ascender à nobreza parisiense.
Elenco
O elenco de Ilusões Perdidas é outro destaque. Benjamin Voisin, que interpreta Lucien, ganhou fama recente como um dos protagonistas de Verão de 85 (Été de 85, 2020). Como Louise de Bargeton, está a renomada Cécile de France, de Um Lugar na Plateia (Fauteuils d’orchestre, 2006), entre tantos outros filmes.
Já no papel do ardiloso Etienne Lousteau, temos Vincent Lacoste, que fez um dos personagens principais de Conquistar, Amar e Viver Intensamente (Plaire, aimer et courir vite ,2018). Enquanto isso, seu rival Nathan d’Anastazio é vivido por Xavier Dolan, de Mártires (Martyrs, 2008). Além disso há uma participação especial do célebre Gérard Depardieu, como o editor Dauriat.
Por fim, vale ainda apontar que a atriz Jeanne Balibar, aqui no papel da perigosa Marquesa d’Espard, volta a atuar como uma personagem de Balzac. Antes, ela fora a protagonista de A Duquesa de Langeais (Ne touchez pas la hache, 2007), também conhecido pelo título “Não Toque no Machado”.
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Ficha técnica:
Ilusões Perdidas | Illusions Perdues | 2021 | França, Bélgica | 149 min | Direção: Xavier Giannoli | Roteiro: Jacques Fieschi, Xavier Giannoli, Yves Stavrides | Elenco: Benjamin Voisin, Cécile de France, Vincent Lacoste, Xavier Dolan, Salomé Dewaels, Jeanne Balibar, André Marcon, Louis-Do de Lencquesaing, Gérard Depardieu, Jean-François Stévenin, Candice Bouchet.
Distribuição: Califórnia Filmes.
O filme está no Festival Varilux de Cinema Francês, que acontece entre 25 de novembro e 8 de dezembro de 2021.
(Foto: divulgação/Roger Arpajou)