Análise do filme “Inverno de Sangue em Veneza” (contém spoilers)
“Inverno de Sangue em Veneza é um filme de terror clássico capaz de fixar imagens na mente dos espectadores para sempre. Analisamos o longa de Nicolas Roeg sob três aspectos: o uso de pistas, o uso das cores e as técnicas de câmera.
O uso de pistas
As pistas são antecipações do que acontecerá no filme, e servem para prender a atenção do espectador e potencializar suas ansiedades. O diretor Nicolas Roeg usa várias delas em “Inverno de Sangue em Veneza”, no início e em todo o filme.
Até mesmo nos créditos de abertura, há uma antecipação de um elemento que será essencial para a história: água. Uma forte chuva cai no lago, e alguns minutos mais tarde a menina Christine se afogará nele. Seus pais, Laura (Julie Christie) e John (Donald Sutherland), posteriormente viajarão para Veneza, uma cidade onde a água domina sua geografia.
Voltando à cena da casa do lago, John examina alguns slides da igreja veneziana que ele restaurará. Um deles chama sua atenção. Mostra o que parece ser uma pequena menina com capuz vermelho sentada num banco da igreja, olhando para uma enorme janela de vitrais. Ao derrubar o líquido de um copo sobre o slide, John está analisando-o com uma lente de aumento, e vê uma mancha vermelha escorrendo do capuz. Ele sente que algo terrível aconteceu e corre para fora da casa, e encontra sua filha afogada. Mais tarde na história, descobriremos que ele tem premonições. Aquela pessoa com capuz vermelho aparecerá novamente na cena do assassinato de John, momento em que ele a reconhecerá – e descobrirá que ele não estava perseguindo sua filha – quando a anã se vira e mostra sua face.
Mais pistas
Há mais pistas. Alguns minutos antes de a menina morrer, seu irmão Johnny corta seu dedo enquanto arruma o pneu da sua bicicleta. No final do filme, ele machuca sua cabeça e, em seguida, seu pai morre. Essa pista relaciona um machucado pequeno a uma morte.
Ainda pensando em Johnny, ele quebra com sua bicicleta o vidro de uma janela que está no chão, e, logo depois, sua irmã morre. Em Veneza, durante a restauração da igreja, John quase morre num andaime, quando um pilar escapa e quebra o vidro sobre ele. Por fim, na montagem final, um vidro de uma janela da igreja se quebra na restauração, e sangue jorra da parede dela, como se ela fosse um ser vivo, ferida com a reconstrução.
Enquanto viaja em um barco pelos canais de Veneza, John vê as duas senhoras, Heather e Wendy, em outra embarcação, acompanhando Laura, sua esposa. Trata-se de nova premonição do que acontecerá depois, a procissão carregando seu próprio corpo.
Além disso, encontramos outra pista na cena onde John e Laura cruzam uma cena de crime. O investigador policial encara John. Mais tarde, ele aparecerá na trama para investigar o suposto desaparecimento de Laura.
O uso das cores com fins narrativos
A cor usada de forma mais marcante em “Inverno de Sangue em Veneza” é o vermelho. Na sequência de abertura, existe uma conexão imediata entre a filha Christine e a pessoa sentada na igreja que John está observando no slide, ambas vestindo casacos vermelhos.
Mais tarde no filme, em uma igreja de Veneza, a mulher cega passa por John a uma certa distância e sorri com prazer enquanto ela vira seus olhos para ele, como se estivesse vendo Christine ao lado dele. Nessa cena, a cortina atrás da mulher é vermelha, o que indica que a presença da menina.
Em outra cena, a polícia examina um cadáver encontrado em um dos canais de Veneza. No início desta cena, a câmera filma de trás de dois chapéus vermelhos. Então, se move até o local onde o corpo está sendo retirado da água. A cor vermelha agora assume uma conotação do mal.
Sentimos isso, também, quando John sai do hotel onde se hospedam as duas senhoras. A sequência enquadra a Veneza gótica, com sombras e neblina, filmada com a câmera inclinada, e vemos uma pessoa com capuz vermelho por breves segundos em dois cenários, acrescentando suspense.
Quando John começa a perseguir a pessoa com o capuz vermelho, a imagem dela se reflete na água do canal, em efeito similar à sequência de abertura do filme, quando Christine foi filmada no reflexo do lago. O bispo, que é contra, ou é temeroso, da restauração da igreja de St. Nicholas, se levanta em sua cama, fitando a vela vermelha acesa num gaveteiro em seu quarto. Ele sente que algo terrível acontecerá.
Técnicas de câmera em “Inverno de Sangue em Veneza”
Nos créditos iniciais, a câmera filma o lago e a forte chuva caindo sobre ele. Há um rápido movimento de zoom na direção de suas águas, enfatizando o poder desse elemento e, ao mesmo tempo, dando ao público pistas do afogamento que logo acontecerá.
Na sequência em que John resgata o já falecido corpo de sua filha, a câmera faz uma rápida panorâmica e um zoom em seu rosto, marcando o terrível acontecimento que quase parece irreal.
Quando Laura conversa com as duas senhoras no banheiro do restaurante, a câmera focaliza os personagens através de vários espelhos localizados lá, especialmente quando a mulher cega fala com Laura, como se olhando diretamente nos olhos dela – o que não era possível devido a sua deficiência. Nicolas Roeg filma a senhora cega de baixo para cima, o que lhe confere uma característica ameaçadora.
Depois que John conversa com Laura sobre seu filho, ele desliga o telefone e o coloca no criado mudo, onde existe uma foto de seus dois filhos em uma moldura. Um close do telefone mostra-o cobrindo o rosto de sua falecida filha Christine, de modo que somente a face do menino pode ser vista. Isso mostra que, naquele momento em particular, a preocupação de John está focada no acidente de seu filho.
Na montagem final quando John é assassinado, a câmera está em contre-plongée (paralela ao teto, perpendicular às paredes), enquadrando o teto da igreja, enquanto se move. Dessa forma, esta cena revela o poder dominador que está evitando que ela seja restaurada.
Enfim, todos esses elementos foram empregados com finalidade narrativa, e não meramente plástica. Por isso, fortalecem a dramaticidade do filme. E, representam alguns dos fatores que fazem de “Inverno de Sangue em Veneza” um clássico inesquecível.
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Ficha técnica:
Inverno de Sangue em Veneza (Don’t Look Now, 1973) 110 min. Dir: Nicolas Roeg. Rot: Alan Scott e Chris Bryant. Com Julie Christie, Donald Sutherland, Hilary Mason, Clelia Matania, Massimo Serato, Renato Scarpa, Giorgio Trestini, Leopoldo Trieste, David Tree, Ann Rye, Nicholas Salter, Sharon Williams, Bruno Cattaneo, Adelina Poerio.
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