“Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois”: Paradigma da nouvelle vague francesa
Terceiro longa metragem de François Truffaut, “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois” é um dos paradigmas da nouvelle vague francesa. Recursos estilísticos debutados anteriormente nos inaugurais “Os Incompreendidos” (Les quatre cents coups, 1959), do próprio Truffaut, e “Acossado” (À Bout de Souffle, 1960), de Jean-Luc Godard, são aqui empregados em prol da narrativa. E, não tanto como um ato de rebeldia contra o cinema considerado ultrapassado pelos críticos da revista Cahiers Du Cinéma, os criadores deste movimento.
Conhecemos os personagens Jules (Oskar Werner) e Jim (Henri Serre), dois amigos inseparáveis, em suas aventuras atrás de mulheres pelas ruas de Paris. As filmagens em locações, com a câmera leve, remetem à influência que o neorrealismo italiano exerceu sobre a nouvelle vague. Essa leveza no registro fílmico se conecta ao espírito de liberdade que esses cineastas almejavam. Dessa forma, contrapondo-se às regras rígidas do cinema contemporâneo francês, demasiadamente preso a fórmulas padronizadas.
Alforria
No roteiro, essa alforria está representada pela personagem interpretada por Marie Dubois, a garota que facilmente se envolve com Jules e Jim e, em seguida, os abandona em uma mesa de bar para se divertir com outro rapaz. Da mesma forma, o cerne da estória de “Jules e Jim” subverte o clichê do triângulo amoroso no cinema, ao não seguir a receita da mulher que é disputada por dois amigos, abalando a amizade deles. Nesse conto de Truffaut, a figura feminina não consegue desunir os companheiros, e se angustiará para se integrar nessa relação.
Os recursos tecnicamente mais ousados, como jump cuts e movimentos inusitados de câmera, ficam evidentes na sequência na ilha mediterrânea, onde os dois rapazes procuram uma estátua que viram em uma aula na escola. A câmera circunda a estátua, e depois retorna girando em sentido inverso, quebrando a expectativa, e denotando o impacto daquela figura nos personagens, e que logo se conectará com o surgimento de Catherine (Jeanne Moreau), apresentada na tela com vários zoom-ins repetidos. A narração, extremamente poética, enfatiza a aproximação do sorriso da estátua e de Jeanne Moreau. Essa incursão literária em off também caracteriza os filmes da nouvelle vague.
Momentos alegres e melancólicos
Após a entrada de Catherine, o filme ganha ainda mais frescor e diversão, culminando na emblemática cena dos três correndo sobre a ponte, filmada com a câmera na mão, a música de vaudeville pontuando um tom cômico. Quando os três saltam no rio, vemos a ação sob vários ângulos e com jump cuts, e temos certeza do momento inebriante vivido pelos personagens. Nem mesmo a guerra, que coloca o suíço Jules e o francês Jim em lados opostos no fronte, consegue interferir na amizade dos dois.
Catherine sofrerá, então, com a impossibilidade de viver plenamente sua paixão por Jim, angústia que suscitará uma inversão no clima de “Jules e Jim”. Assim, culmina no desfecho trágico, com o retrato cruel de um dos personagens recolhendo as cinzas dos amigos cremados. Em complemento, o som do tema de Georges Delerue, antes alegre, e agora melancólico, alude a momentos em que seus acordes pontuaram os momentos felizes que os três compartilharam.
Enfim, “Jules e Jim” não representa apenas o retrato do conceito da nouvelle vague em formato de filme. Muito mais que isso, é um dos melhores dramas românticos de todos os tempos.
Ficha técnica:
Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois (Jules et Jim, 1962) França 105 min. Dir: François Truffaut. Rot: François Truffaut & Jean Gruault. Com Jeanne Moreau, Oskar Werner, Henri Serre, Vanna Urbino, Serge Rezvani, Anny Nelsen, Sabine Haudepin, Marie Dubois, Michel Subor, Danielle Bassiak, Elen Bober.
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