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King Richard: Criando Campeãs (filme)
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King Richard: Criando Campeãs | Por Felipe Galeno

Avaliação:
6/10

6/10

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Crítica | Ficha técnica

O culto à estrela de cinema, fenômeno que nasceu em Hollywood e que foi, por muito tempo, uma das principais fontes de sustento para a indústria do cinema norte-americano, anda um pouco fora de moda. Se, há duas décadas, uma celebridade como Julia Roberts conseguia fazer com que um longa de menor apelo comercial, como o drama biográfico Erin Brockovich, uma Mulher de Talento (Erin Brockovich, 2000), faturasse quase cinco vezes o valor de seu orçamento em bilheterias, a partir dos anos 2010 as estrelas passaram a demonstrar mais dificuldade em segurar o público quando a produção foge do rótulo mais fácil de ‘blockbuster’. Will Smith é um bom exemplo – sua face ainda chama atenção do público quando estampa cartazes de filmes de super-herói ou sequências em franquias de ação, como exemplificam os sucessos de Esquadrão Suicida (Suicide Squad, 2016) e Bad Boys para Sempre (Bad Boys for Life, 2020). Apesar disso, a recepção morna de filmes como Um Homem Entre Gigantes (Concussion, 2015) indica que seu nome já não consegue mais transformar dramas ‘de Oscar’ em arrasa-quarteirões, como fazia na época do sucesso À Procura da Felicidade (The Pursuit of Happyness, 2006).

Ainda assim, Will Smith é uma estrela de cinema, no sentido já antiquado do termo. Ele surgiu em um tempo em que as estrelas nem sempre nasciam necessariamente vinculadas a uma franquia, como é de praxe com os astros de hoje. Na época em que Smith se tornou febre em Hollywood, mesmo os ‘stars’ que surgiam graças ao sucesso de um novo grande filme de ação ainda tinham um nome maior do que seus papéis, uma persona que transformava seus novos projetos em “filmes do Will Smith” e garantia liberdade para tentar o tipo de trabalho que costuma chamar maior atenção da crítica sem ter medo de perder o público. King Richard: Criando Campeãs (King Richard, 2021), estrelado por Will, é um trabalho desse tipo. Mais do que a história do pai das lendas do tênis Venus e Serena Williams, a produção da Warner que chega aos cinemas no dia 02/12 é, antes de tudo, um “filme do Will Smith”, uma tentativa do ator de testar se seu magnetismo ainda funciona nesses territórios.

Esse objetivo se anuncia logo de cara, já que é de Smith o primeiro rosto e a primeira voz que ouvimos. De imediato, a postura e o sotaque bastante marcados nos fazem notar duas coisas: há algo de diferente, mas aquele definitivamente é Will Smith. É o tipo de caracterização que não quer te fazer esquecer quem é aquele ator, e sim te fazer perceber que aquele ator está interpretando alguém. Este alguém, aqui, é Richard Williams, o pai das atletas Venus e Serena Williams, conhecido por sua obstinada participação na carreira das tenistas. Richard escreveu um plano de metas de 78 páginas antes mesmo das filhas nascerem, detalhando os passos para seu futuro êxito no esporte. Sua obstinada determinação e presença marcante na etapa inicial da trajetória das irmãs Williams foram suficientes para fazer dele uma figura conhecida pela mídia, o que se intensificou mais tarde com o sucesso sem precedentes de suas filhas – ou de seu plano.

Por mais que a princípio alguém possa pensar ser estranho contar a história do pai de duas atletas recordistas e não a delas (questionamento que foi e segue sendo bastante feito por muita gente nas redes sociais), basta que a gente conheça Williams nessas primeiras cenas para compreender o porquê de o filme o escolher como protagonista. Para além do jeitão característico, seu idealismo determinado o torna um personagem fácil de transformar em “grande herói de cinema”, o que o longa tenta fazer a todo momento. Em essência, King Richard: Criando Campeãs é quase uma hagiografia; mesmo os defeitos de Williams são vistos como etapas com um significado grandioso. É natural que a visão idealizada dê a tônica da obra, uma vez que Venus e Serena participaram da produção executiva no projeto. Esse enaltecimento, porém, está ligado não apenas ao interesse de homenagem do projeto, mas, novamente, à presença de Will Smith. O ator, que nunca interpretou um vilão, é conhecido por escolher personagens com reputação heroica ou que sejam redimidos por ‘atos’ grandiosos.

Aqui, Smith não só segue essa tendência de sua filmografia como também faz algo que não tem chance de fazer nos grandes filmes de ação. A mitificação de seu personagem, nesse caso, é também a mitificação de um homem ‘comum’. Por mais que tenha conquistado fama própria através das filhas, Richard Williams não surge como celebridade. Aqui, em específico, o conhecemos quando ainda é apenas um trabalhador do Compton que sonha grandiosamente enquanto tenta sustentar suas cinco filhas com a esposa. King Richard: Criando Campeãs aplica a típica ‘jornada do herói’ que Hollywood tanto ama à história de um afro-americano da classe trabalhadora, usando a imagem do astro de cinema como meio para transformação de ‘gente comum’ em símbolo hercúleo.

Uma estrela de cinema, porém, também é quase sempre um veículo para seu próprio carisma, e disso Smith entende bem. O charme de sua atuação é justamente a forma como lida com a tensão entre as duas coisas. Sua caricatura é divertida porque é consciente de seu star power, da graça de sua impostação exagerada, ao mesmo tempo em que não se esquece do peso nos olhos do homem simples escondido por detrás da grandiose. Isso não significa que seu trabalho se sustenta por si só. King Richard: Criando Campeãs é um filme ‘de atores’ também por conta de todo elenco que cerca Smith, sobretudo Saniyya Sidney, que interpreta Venus Williams e ganha, obviamente, um destaque maior conforme a narrativa progride. É nos diálogos com ela, ou quando contracena com Aunjanue Ellis (que encarna a mãe das tenistas em delicada performance), que sua interpretação melhor revela esse balanço de forças entre o real e o caricato. Esses momentos são os de maior força do filme: os que ele revela aos poucos como a ficção cinematográfica vai contaminando as histórias reais e tornando o humano em ‘super-humano’.

É discutível, entretanto, se o filme de fato reconhece a força dessa dinâmica. O fascínio do diretor Reinaldo Marcus Green pela figura central sobre a qual orbita toda a produção parece ser bem mais simplista do que interessado nas relações de contraste. Seu registro recusa os potenciais e se contenta em olhar para Smith como espetáculo através das escolhas mais banais possíveis. Na maior parte do tempo, sua câmera opta pelo caminho mais previsível, o que dita o ritmo de uma montagem igualmente acomodada, que já quase se adianta no trabalho de recortar certos momentos para os clipes exibidos em cerimônias de premiação. Mesmo sua leveza soa bem mais preguiçosa do que espontânea, aproveitando as luzes solares na fotografia de Robert Elswit para se reclinar em um tom confortável e inofensivo.

No último ato, a sequência da partida entre Venus e Arantxa Sánchez-Vicario tenta entregar um pouco do vigor de filme esportivo que alguns podem vir a esperar da produção de início. Mas não se deixe enganar; o esporte é um dos interesses laterais de King Richard: Criando Campeãs. O centro da atenção aqui é o “King” do título, uma figura meio biográfica, meio imaginária, um homem real e um avatar do estrelato cinematográfico simultaneamente. Pode não ser a melhor obra a lidar com esses estranhos seres míticos que povoam as telas hollywoodianas, mas certamente é um dos exemplares mais apaixonados por eles no cinema recente desse particular gênero da filmografia americana.

Texto escrito por Felipe Galeno, especialmente para o Leitura Fílmica.


King Richard: Criando Campeãs (filme)
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