A diretora ucraniana Maryna Er Gorbach consegue transmitir ao espectador um pouco do que sente o povo de seu país diante da guerra separatista. Klondike: A Guerra na Ucrânia se passa em 2014, em Donetsk, numa região da Ucrânia próxima à fronteira com a Rússia. Com agonia, vemos a fragilidade do casal Irka (Oksana Cherkashyna) e Tolik (Sergey Shadrin) diante dessa situação de conflito armado. Logo nos primeiros minutos do filme, a casa deles é atingida por um míssil, que derruba uma das paredes da sala. Daí para frente, esse vazio representa a vulnerabilidade do casal, pois soldados separatistas vasculha a região à procura de seus inimigos.
Surge o dilema entre ficar e se mudar para um, talvez, local mais seguro. De um lado, um amigo de Tolik tenta convencê-lo a se juntar aos separatistas, como ele fez. De outro, o irmão de Irka quer que ela saia imediatamente do lugar. Afinal, para acentuar a dramaticidade, Irka está grávida, faltando dois meses para dar à luz.
Essa condição, aliás, culminará num dos mais brutais desfechos de um filme. Representação máxima da indiferença que uma pessoa pode ter em relação aos seus semelhantes, Irka inicia o trabalho de parto naquela sala sem uma das paredes, totalmente sozinha. Enquanto isso, soldados separatistas entram e saem do local para pegar as armas que deixaram lá dentro. Nenhum deles sequer olha para a agonizante mulher, que enfrenta todas as dores do parto com coragem. Uma imagem fortíssima, difícil de se esquecer, repleta de significados. Acima de tudo, enaltecendo a mulher que luta para colocar mais uma vida no planeta, enquanto os homens tiram a vida dos outros.
Dentro da guerra
Os planos longos, sem cortes, potencializam os momentos dramáticos. Mas sem sentimentalismo fajuto. Ao evitar os cortes, a diretora Maryna Er Gorbach nos coloca para dentro dessa situação tão longe de nossa realidade. O uso recorrente do pan, o movimento lateral da câmera sobre um tripé, insere um elemento adicional de suspense, pois não sabemos o que veremos na tela durante esse giro. É dessa forma que nos surpreendemos quando descobrimos o efeito da bomba no começo da trama.
As bombas assustam, pois os sons são ensurdecedores, mesmo no filme. Mas pior que elas são essas pessoas que se esquecem de ser humanas.
Sobre a diretora1
Nascida na Ucrânia e radicada em Istambul, Maryna Er Gorbach disse, em entrevista ao jornal alemão Zeit, que se lembra muito bem do fatídico 17 de julho de 2014, dia do ataque ao avião, pois é seu aniversário. “Eu fiquei o tempo todo procurando anúncios oficiais sobre a queda da aeronave, e ninguém foi responsabilizado pelo lançamento dos mísseis. Passaram-se anos, e, praticamente, nada aconteceu. Foi quando percebi: se não há punição para algo dessa magnitude, quem se interessará pelo sofrimento do povo de Donbas?”
Além disso, ela conta que, em 2014, ninguém esperava uma guerra, e hoje, as pessoas recebem avisos para não sair de casa, e ficar com as janelas fechadas. “A guerra hoje é chamada por seu nome. A imprensa internacional não duvida mais disso. Em meados de fevereiro, era diferente. Falava-se num ‘conflito’ entre a Rússia e a Ucrânia”.
Acima de tudo, a diretora, que também assina o roteiro e a montagem, destaca o papel fundamental das mulheres na resistência ao conflito, e, por isso, dedica o longa a elas. “O instinto de sobrevivência de Irka é maior na guerra. E essa mensagem me fez dedicar o filme a elas. Num sentido mais amplo, também quer dizer: não há soldado ou matador sem mãe. Há sempre uma mulher por trás deles. Não creio que nenhum homem lutaria por seus valores, por si mesmo. Os homens que lutam na Ucrânia buscam suas forças no fato de terem mães, esposas, filhas.”
1 fonte: press release
___________________________________________
Ficha técnica:
Klondike: A Guerra na Ucrânia | Klondike | 2022 | 100 min | Direção e roteiro: Maryna Er Gorbach | Elenco: Oxana Cherkashyna, Sergey Shadrin, Oleg Scherbina, Oleg Shevchuk, Artur Aramyan, Evgenij Efremov.
Distribuição: Pandora Filmes.
Trailer aqui.