O terror alemão Lar dos Esquecidos (Old People) é um filme indeciso. Mostrar pessoas idosas como seres ameaçadores demanda cautela, pois pode insultar esse grupo ou, pior ainda, descambar para o etarismo. A questão pede dois caminhos: pisar fundo e criar seres detestáveis como os serial killers de X – A Marca da Morte (X, 2022), de Ti West, ou colocá-los como vítimas que justificadamente se rebelam. O diretor e roteirista Andy Fetscher, que realizou um longa em 2011 e depois passou a dirigir episódios de séries, toma a pior decisão nesse sentido. Cauteloso demais, não sabe para onde direcionar seu enredo, e fica em cima do muro.
A cartela que abre a história, juntamente com o prólogo (a melhor parte do filme), indica que o horror terá origem sobrenatural. Somos informados que, no passado, acreditava-se que um espírito vingativo habitava os idosos e provocava raiva intensa neles. É o que vemos acontecer com uma jovem cuidadora que entra no apartamento de seu paciente idoso e é brutalmente atacada. Ao olhar pela janela, esse agressor vê o fenômeno se alastrar por toda a cidade. Esta seria a chave ideal para o restante da trama: as pessoas velhas atacariam por causa desse espírito. Dessa forma, poderiam praticar as mais terríveis atrocidades sem cair em risco de tocar em preconceitos. Afinal, estariam possuídos pelo sobrenatural. Os idosos agiriam, assim, como zumbis.
Enquanto isso, no campo
No entanto, o que vem a seguir parece deslocado. Até no tempo, pois não acontece após os eventos do prólogo, mas um pouco antes em um outro local, numa vila afastada no campo. No lugar da cena noturna que abre o filme, agora acompanhamos uma ensolarada região no interior. Na tela, vemos Ella retornando com seus dois filhos para o local onde cresceu, apenas para acompanhar o casamento da irmã. Mas, ela terá que se reencontrar com o ex-marido, a quem abandonou para se dedicar à advocacia em Berlim. Quem agora namora o ex é uma enfermeira na casa de repouso da vila, um lugar decrépito com internos em excesso. Além disso, a própria vila se tornou uma grande residência para idosos, pois a maioria dos jovens se mudou para cidades maiores. Em suma, um verdadeiro barril de pólvora para o fenômeno que vimos no prólogo.
Pena que o filme não deixa essa explosão acontecer. Acaba alternando momentos em que usa os idosos como ameaça, em bons momentos de suspense, com outros em que ficamos com pena deles por causa do maltrato e do abandono. A visita de Ella à casa de repouso, para buscar o seu pai para o casamento, é um perfeito exemplo disso. A situação precária dos internos é de partir o coração, mas quando o garoto anda sozinho pelos corredores repletos de velhos o clima é de suspense. Esse problema de dualidade segue por todo o filme. Por exemplo, no momento em que a rebelião (a trama abandona o fator sobrenatural) começa, sentimos pena da enfermeira vítima dos idosos enraivecidos, mas não do enfermeiro grosseiro. Logo depois, o idoso que age como o líder do grupo reclama com razão da situação, mas ele invade uma casa e mata brutalmente e, supostamente, ainda estupra uma mulher.
Terror e crítica social
Da mesma forma, ficamos divididos entre os personagens principais. Não sabemos se devemos torcer por eles ou não, pois eles também praticam atos condenáveis. Ella, por exemplo, quer matar o pai, culpando-o pelo desaparecimento do filho, mas depois descobrimos que ela está errada. Por fim, o que prevalece mesmo é a lição de moral para que todos se conscientizem e tratem bem os idosos. Porém, até chegar a isso, o filme aponta para outras direções, inclusive com subtramas desnecessárias, como a do ciúme louco da namorada do ex-marido de Ella.
A direção de Andy Fetscher se mostra tão falha quanto o seu roteiro. Escolhe o recurso de usar filtros para as cenas noturnas, resultando em um visual bem feio e, ainda assim, pouco eficiente para criar o clima de terror. Às vezes acerta, como na citada cena do menino andando sozinho pelo asilo, e nos grupos de idosos que cercam a casa e perambulam pela mata, lembrando os zumbis de A Noite dos Mortos Vivos (Night of the Living Dead, 1968), de George A. Romero. Porém, usa mal os recursos da gramática audiovisual, comunicando falsas impressões sem perceber. Nesse quesito, veja o porta-retratos da família de Ella (antes da separação) que cai no chão e se quebra, justamente quando os quatro parecem novamente unidos.
Definitivamente, Lar dos Esquecidos só vale por alguns raros momentos de suspense e terror. Mas, acima de tudo, é um filme perdido, sem rumo quanto à essência de sua trama principal. Terror com crítica social pode render uma obra-prima como o filme de George A. Romero que citamos nesse texto. Porém, é preciso talento e coragem.
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Ficha técnica:
Lar dos Esquecidos | Old People | 2022 | 101 min | Alemanha | Direção e roteiro: Andy Fetscher | Elenco: Melika Foroutan, Stephan Luka, Anna Unterberger, Bianca Nawrath, Otto Emil Koch, Maxine Kazis, Richard Manualpillai.
Distribuição: Netflix.