Leonora, Adeus (Leonora Addio) resgata o bom cinema italiano. Aquele que lança um olhar curioso e terno sobre a tradição e os costumes do país. Que venera os seus maiores artistas sem evitar que virem alvo das observações indiferentes da pureza das crianças. E que facilmente se deixa contaminar pelo sentimentalismo.
No filme, Paolo Taviani revisita Luigi Pirandello (1867-1936), que ele já adaptou para o cinema em Kaos (1984), dirigido com seu irmão Vittorio. Desta vez, o escritor está em cena em carne e osso, brevemente, e depois em cinzas, na maior parte do longa. O enredo acompanha os esforços para levar os seus restos mortais para sua cidade de origem, onde depois será depositado em um monumento numa colina.
Nesse processo, Taviani lança o tal olhar curioso e terno sobre as atitudes das pessoas. Algumas prestando o devido respeito e outras indiferentes. Por exemplo, as crianças que pensam que um anão morreu, pois o caixão que usaram (o único disponível) era do tamanho menor. Da mesma forma, estão no filme alguns flertes com o circense (que era tão evidente em Fellini), como nos saltos do artista que preparará o monumento a Pirandello. E eventos engraçados, mas que revelam a atitude dos italianos em relação à ocupação americana no pós-guerra.
Das cinzas à obra
Todo esse segmento possui uma bela fotografia em preto e branco (exceto pelo fogo do incinerador na cremação), plasticidade que combina com as cinzas de Pirandello. A cor retorna quando parte dessas cinzas, subtraídas malandramente, são lançadas no mar. Abre-se, então, o segmento, esse sim a cores, que adapta o conto “O Prego”, do autor, que o escreveu a partir de uma reportagem sobre um garoto italiano que mata uma menina no Brooklyn, em Nova York. Além do uso concreto das cores, esse relato coloca um colorido em Leonora, Adeus, com seu ritmo mais dinâmico. E agora, enfim, com um protagonista vivo na tela.
O segmento final, além disso, resgata a questão do tempo, evocado na primeira cena, quando Pirandello, à beira da morte, reclama por sua vida já estar no fim. No conto, o tempo não ajuda o garoto italiano a curar sua dor pela separação forçada de sua mãe, logo depois que eles chegam aos Estados Unidos. Tal raiva reprimida explode no ato impensado do crime, só para condená-lo a um novo arrependimento que o tempo insistirá em não curar.
Paolo Taviani, assim, consegue amarrar consistentemente essas duas narrativas. A transposição do conto fecha com um sabor reconhecível pelo público geral, enquanto o processo de destinação das cinzas agrade mais ao espectador familiarizado com o cinema italiano. O tema do tempo permite essa aproximação, até respondendo a Pirandello, pois a utilização do conto prova que o tempo dele não acabou – através das suas obras, ele continua eterno.
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Ficha técnica:
Leonora, Adeus | Leonora Addio | 2022 | 90 min | Itália | Direção e roteiro: Paolo Taviani | Elenco: Fabrizio Ferracane, Matteo Pittiruti, Dania Marino, Dora Becker, Nathalie Rapti Gomez, Claudio Bigagli, Roberto Herlitzka.
Distribuição: Risi Film.
Trailer aqui.