O filme búlgaro Lições de Blaga jamais se desvia de sua misantropia. Uma profunda descrença na humanidade domina a protagonista Blaga depois de ela cair num golpe por telefone. Recém-viúva, ela planejava gastar todas as suas economias comprando um jazigo para ela e o marido na melhor localização do cemitério da cidade. Segundo o agente de vendas do cemitério, um aproveitador descarado, esse lugar é muito procurado, e se Blaga demorar para fechar o negócio, outra pessoa vai acabar comprando. É a lei do capitalismo, argumenta ele.
Desesperada, Blaga tenta conseguir empréstimos. O banco nega veemente, pois a ex-professora recebe uma aposentadoria muito baixa e não tem outra receita além de dar aulas particulares para apenas uma aluna. Ao buscar uma financiadora menor, recebe a visita de um de seus ex-alunos, que agora a menospreza porque ele está em posição de poder. A polícia nada pode fazer para encontrar os bandidos, e ainda a expõe para a imprensa, que publica uma notícia implicando que ela está senil. Mas, sem querer, o detetive que cuida do caso lhe dá as dicas para entrar nesse esquema como a courier do dinheiro.
Assim, a própria Blaga passa de vítima a cúmplice dos golpistas. Consistente com a descrença no ser humano, ela mesmo age como uma pessoa desprezível, ajudando nos esquemas para tirar dinheiro dos outros. O fato de ela própria ter sofrido esse prejuízo não a desvia de seu descaminho.
Um mundo de concreto
Em seu 11º longa, o diretor Stephan Komandarev aproxima a mise-en-scène do tema. Para isso, mostra a cidade de Shumen, na Bulgária, como um lugar hostil. O barulho dos carros, ônibus e trens são um obstáculo (ou uma desculpa) para a indiferença entre as pessoas. Sintomaticamente, várias cenas colocam Blaga caminhando sozinha pelas ruas. A dureza do tema da misantropia, aliás, faz par com o concreto da imensa escadaria por onde a protagonista costuma subir. Uma penitência ou simplesmente um passeio? Seja lá qual for o motivo, ela escolhe esse ambiente ao invés de um bosque ou um parque repleto de vegetação. A escadaria leva a um absurdo monumento gigante de concreto. Frio, duro, feio, como essa cidade (não sei se só no filme ou também na realidade).
Lições de Blaga não faz concessões. Além dos moradores de Shumen, a descrença vale para toda a humanidade. O próprio filho de Blaga, que mora nos Estados Unidos, é incapaz de sentir compaixão pela perda da mãe. Pelo contrário, grita com ela por ter perdido um dinheiro que seria útil para ele. Na verdade, a única pessoa boa do filme, a aluna de Blaga, acaba tendo um destino trágico. Destino, aliás, previsível no fato em si, mas surpreendente na atitude da protagonista. Na visão impiedosa do filme, vivemos num mundo de concreto.
Presente na 47ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo, este é uma das pérolas da programação.
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Ficha técnica:
Lições de Blaga | Urotcite na Blaga | 2023 | 114 min | Bulgária, Alemanha | Direção: Stephan Komandarev | Roteiro: Simeon Ventsislavov, Stephan Komandarev | Elenco: Eli Skorcheva, Gerasim Georgiev, Rozalia Abgarian, Ivan Barnev, Stefan Denolyubov, Ivaylo Hristov.