O filme Los Lobos avalia o preço do sonho americano. Para isso, o diretor mexicano Samuel Kishi Leopo recorre às suas memórias da infância.
Lucía abandona seu marido em Ciudad Juarez, no México, e parte para Albuquerque, nos EUA, com seus dois filhos, Max e Leo. Ela aluga um apertado studio, onde as duas crianças ficam sozinhas durante o dia, enquanto ela trabalha. Em um velho toca-fitas, ela grava as instruções que os meninos devem obedecer. É uma vida dura para os três, e a mãe tenta tornar isso suportável alimentando a esperança de irem à Disneylândia.
O filme não explicita em que ano se passa a história, mas, provavelmente ela acontece no final da década de 1980. Afinal, não há celulares e ainda se usa fita cassete. Além disso, essa época coincide com a infância do diretor, que nasceu em 21 de março de 1984.
Perspectivas
Na maior parte de Los Lobos, a perspectiva é das crianças. Os meninos não lamentam o fato de ficarem trancados sozinhos no apartamento. Pelo contrário, a fim de evitar o tédio, se divertem juntos inventando brincadeiras. Uma delas é desenhando, e suas criações na parede do quarto ganham vida no filme. A imaginação dos irmãos abre a possibilidade de inserção de trechos de animação com os personagens que eles inventam.
Por outro lado, a perspectiva da mãe também ganha espaço em Los Lobos. É por isso que vemos os filhos já dormindo, quando ela trabalha até tarde, em alguns dias. Além disso, a narrativa abandona o apartamento para mostrar Lucía no seu trabalho. Há dois momentos importantes em seu olhar. Primeiro, quando ela limpa o apartamento e pensa em jogar o documento do marido no lixo. Mas, desiste ao observar os meninos, pois percebe que não tem o direito de eliminar a única memória concreta do pai deles. Já em outro momento, Lucía descobre que Max e Leo gravaram uma brincadeira em cima do registro do pai dela tocando violão, o que tinha grande valor sentimental para ela. Ao invés de se exaltar, a mãe compreende que, agora, ela deve colocar os filhos à frente das memórias dos parentes queridos.
Um sonho distante
No entanto, o sonho americano da mãe, de conseguir uma vida economicamente estável nos EUA, parece cada vez mais longe. Simbolicamente, a vemos atravessando a tela, apequenada diante de uma gigantesca bandeira americana na parede do galpão da empresa onde trabalha.
Porém, ela atinge o fundo do poço quando descobre que todas as suas economias resultantes desse duro trabalho nos Estados Unidos foram furtadas por meninos vizinhos que invadiram o apartamento sob pretexto de serem amigos de Max.
Contudo, Los Lobos não termina com esse tom amargo. A primeira fagulha de esperança vem da senhora chinesa que é proprietária do apartamento locado por Lucía. Ela trata com gentileza os meninos e até os leva para a comemoração do Halloween. Depois, o otimismo renasce quando o ladrão se arrepende e devolve, anonimamente, o dinheiro de Lucía.
Acima de tudo, o mais importante é que a mãe percebe que os seus filhos são mais valiosos que o seu trabalho. Por isso, aceita a oferta da proprietária para cuidar dos meninos. Ademais, resolve ser mais sincera com Max e Leo. Ao invés de prometer uma inalcançável viagem até a Disney, leva-os para um parque de diversões local. Com isso, os três passam um dia muito feliz, dentro dessa Disney possível para a condição deles.
Um conto de fadas dentro da realidade
Los Lobos não vilaniza a mãe, prefere focar na ingenuidade das crianças. Aliás, até resvala nos contos de fada, porque o furto do dinheiro da mãe só acontece porque os meninos desobedecem às regras que a mãe estipula. À parte essa lição de moral, a história dos três imigrantes é apenas um dos vários recortes dessa gente batalhadora em busca honesta por uma vida melhor. O diretor Samuel Kishi Leopo evoca essa ideia ao inserir planos recorrentes de pessoas comuns ao longo de seu filme, inclusive o de Lucía, Max e Leo.
Sem apelar para o melodrama, Los Lobos busca o naturalismo para construir esse retrato que exala autenticidade.
___________________________________________
Ficha técnica:
Los Lobos | The Wolves | 2019 | México | 95 min | Direção: Samuel Kishi Leopo | Roteiro: Samuel Kishi Leopo, Luis Briones e Sofía Gómez-Córdova | Elenco: Martha Reyes Arias, Maximiliano Nájar Márquez, Leonardo Nájar Márquez, Cici Lau | Ano: 2019 | País: México | Gênero: Drama. Distribuição: Vitrine Filmes.
Saiba mais sobre o filme aqui.