Antes de tudo, vale esclarecer que não é necessário assistir à série Luther (2010-2019) para entender o filme Luther: O Cair da Noite (Luther: The Fallen Sun), dela derivado. Embora seja verdade que quem viu os 21 episódios conheça as peculiaridades do protagonista, o que proporciona um interesse adicional, o enredo do longa traz uma história que se sustenta por si só.
O roteiro, aliás, consiste no melhor que esse filme tem a oferecer. Escrito pelo próprio criador da série, Neil Cross, o enredo coloca o inspetor de polícia John Luther (Idris Elba, retomando o papel que viveu na série) diante de um gênio do mal. O vilão David Robey (Andy Serkis) se assemelha a Moriarty, o arquirrival de Sherlock Holmes, pela engenhosidade do seu plano diabólico. De fato, diabólico é o termo apropriado, pois a trama tem a evidente intenção de soar sinistra. Através da internet, Robey descobre segredos íntimos de suas vítimas, e assim as chantageia a obedecerem a suas ordens, que são fruto de extrema maldade. Pessoas penduradas por uma corda, vítimas incineradas, dezenas de cadáveres submersos em águas congeladas, o uso da dark web, enfim, o cenário está repleto de imagens sombrias.
Para complicar a situação, e justificar o formato de longa-metragem, Robey usa as informações que obtém para ardilosamente levar John Luther à prisão. Então, em paralelo com as investigações, conduzidas oficialmente pela detetive Odette Raine (Cynthia Erivo), enquanto mais crimes acontecem, ainda acompanhamos a escapada de Luther, agora um fugitivo da polícia.
Um filme mal dirigido
Esse interessante roteiro, porém, vira um problema nas mãos do diretor Jaime Payne. Profissional habituado a dirigir episódios de séries (inclusive quatro de Luther), quando geralmente o diretor só segue o que está detalhadamente indicado no roteiro, Payne parece que se perdeu ao ter que tomar suas próprias decisões sobre como filmar. Realiza um trabalho confuso, em várias cenas fica difícil entender o que acontece.
Por exemplo, no trecho da Picadilly Circus, não dá para entender por que a detetive Odette perde de vista o vilão Robey (a menos que o espectador retroceda e assista novamente, como eu fiz). O lance é simples, após a queda de uma das vítimas, um ônibus se desgoverna e entra na frente de Odette. Porém, a inabilidade do diretor não evidencia onde a detetive está em relação ao vilão. A impressão que temos é que ela já está perto, na praça, mas na verdade ela está do outro lado da rua.
Mas outras escolhas de Jaime Payne também interferem negativamente no filme. Afinal, como crer que Andy Serkis (com 1,71m) consiga derrotar Idris Elba (1,89m) numa luta corporal? E para que seguir a onda atual de mostrar um personagem (no caso, o infiltrado na polícia) vomitando para evidenciar seu estado nervoso? Além disso, a direção ainda desperdiça o suspense, e quase terror, que algumas cenas tinham potencial de provocar. Por exemplo, quando Luther está pendurado em correntes na parte final.
Luther: O Cair da Noite poderia render um eletrizante episódio, centrando-se apenas na investigação dos crimes desse gênio do mal. A condenação de Luther serve para engordar a trama e transformar a premissa em um filme de mais de duas horas. Talvez assim, como um episódio com roteiro com todas as orientações de como filmar, o diretor Jaime Payne fizesse um trabalho mais competente.
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Ficha técnica:
Luther: O Cair da Noite | Luther: The Fallen Sun | 2023 | 129 min | Reino Unido, EUA | Direção: Jaime Payne | Roteiro: Neil Cross | Elenco: Idris Elba, Cynthia Erivo, Andy Serkis, Dermot Crowley, Thomas Coombes, Hattie Morahan, Lauryn Ajufo, Vincent Regan.
Distribuição: Netflix.