O filme Malmkrog, do diretor romeno Cristi Puiu, adapta para o cinema o livro “The Three Conversations” do filósofo Vladimir Solovyov.
O desafio da adaptação
De início, transformar em filme os embates filosóficos dos personagens de “Three Conversations” desafia a habilidade do diretor em colocar o espectador dentro das discussões, sem perder o interesse ou a compreensão dos argumentos envolvidos. Afinal, o autor da obra original a criou para ser lido e não ouvido ou assistido. Enquanto as páginas permitem ao leitor que ele usufrua do tempo que for necessário para digerir o que acabou de ser apresentado, num filme, isso não é possível, porque a compreensão é urgente, e deve acompanhar o ritmo das conversas.
De fato, o texto é pesado. Nele, cinco personagens, na Rússia do final do século 19, discutem acaloradamente os temas da guerra, do progresso e do cristianismo, segundo o ponto de vista da época. Nesse cenário, todos são de alta classe e se reúnem na mansão de um deles. A fim de não provocar distrações, o diretor Cristi Puiu filma majoritariamente planos longos, com poucos cortes. Por isso, a câmera se movimenta somente quando necessário.
Cristi Puiu, por outro lado, não ignora as vantagens da linguagem cinematográfica. Assim, logo na primeira cena, destaca-se o enquadramento perfeito e a exploração do recurso da profundidade de campo. Por exemplo, temos a cena em que alguns personagens estão no quarto do idoso acamado. Em primeiro plano, fora do quarto, está uma personagem, que observa de longe. Dentro do quarto, pela porta aberta, vemos o senhor na cama, outro personagem ao lado dele. Depois da cama, há um espelho na parede que reflete a empregada da casa prestando assistência. E, logo surge ao lado do espelho mais uma personagem. Essas várias camadas enriquecem a cena, e esse recurso é utilizado várias vezes durante o filme.
Estrutura narrativa
Estruturalmente, a narrativa se divide em seis capítulos, cada um deles com o subtítulo de um dos personagens – aparentemente, do personagem de destaque no segmento. Cada trecho é encerrado com um evidente fade-out.
O recurso audiovisual permite também que se revele como os nobres tratavam seus empregados. O anfitrião possuía muitos deles, com obrigação de os pouparem de qualquer esforço. Os serviçais serviam bebidas, abriam portas, carregavam casacos, enfim, até as mais simples atividades rotineiras dos nobres. Isso viria a ruir num futuro próximo, com a Revolução Russa, e o trecho final do capítulo III parece fazer essa referência, num breve segmento em que os empregados se revoltam e os nobres caem mortos a tiros.
E esse fato é mostrado na tela, mas tem o impacto de uma imaginação ou um sonho, pois no capítulo seguinte todos os personagens retornam às discussões, inclusive aqueles que tinham sido assassinados.
Enfim, Malmkrog é um filme denso, focado nas argumentações filosóficas dos personagens, que deliciará aqueles que apreciam essas discussões profundas. Um interesse maior está no distanciamento do tempo, que permite avaliar essas ideias com uma outra perspectiva. Como obra cinematográfica, fica evidente o talento do diretor Cristi Puiu, mas ele precisa conter qualquer maneirismo para não interferir na fluidez do tema central do filme.
Obs: assistimos a esse filme na cabine da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Ficha técnica:
Malmkrog (Malmkrog) 2020, Romênia/Sérvia/Suíça/Suécia/Bósnia-Herzegovina/Macedônia do Norte, 200 min. Dir/Rot: Cristi Puiu. Elenco: Frédéric Schulz-Richard, Agathe Bosch, Diana Sakalauskaité, Marina Palii, Ugo Broussot, István Téglás.