O diretor John Cassavetes convoca seus três atores preferidos em “Maridos”, Ben Gazarra (como Harry), Peter Falk (como Archie) e ele mesmo (no papel de Gus). Assim, conta a estória de três amigos que partem em busca de liberdade após a morte do amigo deles. Eles são casados há anos, mas se sentem vazios. Além disso, Harry é abusivo e já estragou seu casamento. Já os outros dois decidirão sobre seus futuros durante a jornada.
Passo-a-passo do filme
Na abertura, uma colagem de fotos descreve uma forte amizade entre quatro homens. Então, um corte seco transporta para os dias atuais, quando três deles entram em um cemitério onde um dos amigos será enterrado. Essa cena se encerra em silêncio, com eles cumprimentando a viúva. A sobriedade logo é quebrada com os ruidosos sons de carros, quando os amigos saem da cerimônia em um táxi, onde resolvem se embebedar ao invés de ir para casa. Após uma elipse, já anoiteceu e eles perambulam pelas ruas de Nova York, embriagados. Brincam uns com os outros, como se fossem os Beatles em “Os Reis do Iê-Iê-Iê” (A Hard Day’s Night, 1964). Em seguida, jogam basquete e nadam. O diretor John Cassavetes filma em locações reais e os pedestres olham para a câmera e para os atores, como pedia a nouvelle vague francesa.
Depois (ou talvez antes?), vemos os três sentados em uma mesa de um bar com várias outras pessoas, em uma longa e escatológica cena onde as pessoas disputam quem canta melhor. A ebriedade aumenta, e eles ficam agressivos com os outros à mesa. Por fim, para elevar o grotesco da sequência, há vários minutos dentro do WC do local, quando eles vomitam depois de tanto beber. Aliás, Cassavetes insere closes extremos para tornar tudo mais nojento.
Em Londres
Enfim, os personagens não descansam e logo partem para Londres, onde jogam em um cassino. Em seguida, há uma sequência exageradamente longa que mostra os três apostando, enquadrando apenas os personagens, sem mostrar o tabuleiro. Depois, quando partem para paquerar as mulheres, a câmera está em close up. Conseguem levar três delas, muito bonitas, para o hotel, mas cada um terá problemas com sua companheira. Posteriormente, já bem bêbados, estão com três feiosas no hotel. A aparente diversão deles só os deixam mais frustrados. Essa liberdade provisória, movida a álcool, deixa um vazio gigantesco no minuto em que cada aventura acaba.
Análise
Os protagonistas são misóginos ao extremo. Após o funeral, eles tratam muito mal todas as mulheres com quem encontram, no bar, em casa, no trabalho, no cassino, no hotel. A cena em que Peter Falk é abordado por uma horrível velha nos faz desconfiar que o próprio Cassavetes é misógino. Ao observar as mulheres do filme, fica evidente que ele não se esforçou nem um pouco para tornar alguma delas simpática. De fato, “Maridos” é machista em relação a se restringir ao ponto de vista masculino dos personagens principais.
Por outro lado, o filme triunfa ao conseguir retratar com realismo o que se passa no interior dos protagonistas. “Maridos” transmite uma sensação real, permite que o espectador se sinta carente também, principalmente por manter sequências longas povoadas por diálogos profundos.
Entre as habituais imagens com foco e desfocadas de Cassavetes, desponta o convite para a reflexão sobre a vida. Contextualizando a produção do filme, ou seja, o início dos anos 1970, era uma época de muita decepção, porque os sonhos da revolucionária década anterior se reduziram a pó, e o mundo parecia muito pessimista. E, essa desilusão está estampada em “Maridos”, um filme desagradável, porque nos faz sentir como seus protagonistas, e muito bom exatamente por isso.
Ficha técnica:
Maridos (Husbands, 1970) EUA, 131 min. Dir/Rot: John Cassavetes. Elenco: Ben Gazarra, Peter Falk, John Cassavetes, Jenny Runacre, Jenny Lee Wright, Noelle Kao, John Kullers, Meta Shaw Stevens, Leola Harlow, Delores Delmar, Eleanor Zee, Claire Malis, Peggy Lashbrook, Eleanor Cody Gould, Sarah Felcher.