Karim Aïnouz escancara parte de sua vida pessoal no seu documentário Marinheiro das Montanhas. Ele próprio narra o filme, somo se falasse com a sua mãe Iracema, já falecida.
Ele viaja para conhecer a aldeia na Argélia onde nasceu o seu pai, que se distanciou da família quando Karim ainda era pequeno e que hoje mora em Paris. Se sua mãe estivesse viva, seria com ela que o diretor faria essa viagem.
O habilidoso cineasta modula a fotografia no filme de acordo com a sensação predominante em cada cena. Assim, no navio que o leva para a Argélia, as imagens são propositalmente feias, excessivamente granuladas. Quando fala da sanguinária guerra pela libertação, coloca um filtro que deixa tudo avermelhado.
Além disso, varia a montagem conforme o andamento do tempo percebido pelo diretor. Na conversa com os parentes que vem a conhecer no vilarejo, mantém os planos longos. Em contraponto, quando interage com pessoas que falam em idiomas que ele não entende, a montagem traz um recorte de planos curtos. E, para dar dinamismo ao filme, também insere colagens de trechos curtíssimos ou de fotos entre as cenas.
O documentário não deixa de fora frivolidades, como o que servem nas refeições no navio, e como é o quarto do hotel em Argel. Mas, esses elementos não estão aí à toa. Além de dar mais realismo ao registro, comunicam o enfado que sente Karim, no início da jornada, ainda sem a certeza se a empreitada vale a pena. Já na parte final, satisfeito por ter conhecido seus parentes e o local onde nasceu seu pai, o diretor se senta tão à vontade que até arrisca um trecho de fantasia, uma lenda inspirada pela sua prima adolescente Inês.
Resgate completo
Aos 54 anos, Karim Aïnouz sentiu a necessidade de conhecer suas origens do lado paterno. Dessa forma, voltou mais completo, equilibrando o que já conhecia do lado da mãe brasileira. Mas, como é um cineasta por essência, não perdeu a oportunidade de transformar essa jornada em um filme. Demorou mais tempo na pós-produção de Marinheiro das Montanhas, um documentário mais elaborado formalmente do que o fugaz Nardjes A., também filmado nessa viagem para Argélia. Dois belos filmes que compartilham o aprendizado de uma pessoa sobre as suas origens.
___________________________________________
Ficha técnica:
Marinheiro das Montanhas | 2021 | 95 min. | Brasil, França, Alemanha, Argélia | Direção: Karim Aïnouz | Roteiro: Karim Aïnouz, Murilo Hauser.
Distribuição: Gullane.
Trailer aqui.