O sucesso de Parasita (2019) criou uma expectativa alta para o filme seguinte de Bong Joon Ho. A demora para o diretor realizar seu novo trabalho aumentou ainda mais a ansiedade. Cinco anos depois, finalmente chega aos cinemas Mickey 17, uma megaproduzida ficção-científica que retoma algumas características de sua obra, mas se diferencia pelo seu tom de comédia sombria tendendo ao escrachado.
Bong Joon Ho volta a produzir uma sensação de estranheza no público. Desta vez, ao apresentar um futuro mais distópico que utópico, quando a humanidade descobriu a controversa tecnologia de duplicar pessoas, proibida na Terra. Por isso, o político Marshall (Mark Ruffalo), apoiado por sua esposa Ylfa (Toni Collete), consegue aprovação para testar essa novidade numa expedição para descobrir a habitabilidade de um outro planeta.
Para isso, o projeto necessita de um voluntário que se prontifique a ser a cobaia desse experimento. Mas, isso significa aceitar morrer e ser reimprimido várias vezes. O desesperado Mickey Barnes (Robert Pattinson), para fugir de gangsters que querem eliminá-lo por conta de suas dívidas, aceita esse cargo (sem ter pleno conhecimento sobre sua função).
Mickey entra nessa dolorosa rotina de morrer repetidamente, até que um inesperado incidente faz com que a cópia número 18 de Mickey seja criada antes que a versão anterior esteja morta. O erro cria a situação de múltiplos, também proibida por lei. Assim, essa história, baseada no livro de Edward Ashton, possui elementos mais que suficientes para a habitual estranheza que Bong Joon Ho procura. Os vários trechos em que Mickey é reimpresso já bastam para provocar arrepios nos espectadores.
Comédia escrachada
Apesar disso, Mickey 17 impacta bem menos do que Parasita, que se passa num ambiente comum e contemporâneo, mas possui uma abordagem crítica profunda e contundente. Este novo filme também cutuca a injustiça das diferenças de classes, além de trabalhar imageticamente o contraste entre dominante e dominado (no desnecessário flash forward que abre o filme, quando Mickey está caído numa cratera e seu sócio Timo, vivido por Steve Yeun, chega num helicóptero e depois se coloca no topo do monte e recusa ajuda ao companheiro que se encontra ferido lá embaixo).
Porém, desta vez Bong Joon Ho aposta numa comédia sombria mais escrachada, um viés que ele não domina como o cinismo de seu filme anterior. Para soar engraçado, Mickey 17 ultrapassa os limites e cai no humor fácil. Por exemplo, os cantos religiosos no jantar e em outros eventos, ou o materialismo de Ylfa, que salva Mickey de ser baleado só porque não quer que sujem o seu tapete. Há outras piadas desse mesmo nível, e uma gritaria exacerbada que faz lembrar as novelas cômicas sul-coreanas que dominam o streaming.
Sem surpresas
As críticas sociais e políticas igualmente se limitam ao óbvio. Marshall e Ylfa seduzem seus seguidores utilizando o apelo religioso, tentando esconder o ideal de supremacia racial (que fica escancarado no convite que fazem a uma das tripulantes brancas e de físico que eles consideram perfeito). Além disso, os humanos invadindo um planeta para colonizá-lo pensando em dizimar a espécie que habita originariamente o local está diretamente ligada ao extermínio que os povos europeus realizaram ao conquistar suas colônias.
Aliás, esses habitantes do planeta – seres que se assemelham aos crustáceos facilmente encontrados nas praias brasileiras, mas em tamanho gigante – remetem às criaturas originais que Bong Joon Ho colocou em seus filmes O Hospedeiro (2006) e Okja (2017). Desta feita, munido de um orçamento generoso, as criaturas constituem um dos pontos positivos de Mickey 17. Junto com a boa direção, que faz uso da profundidade de campo em várias cenas, inclusive no grande finale, e ainda surpreende com pelo menos um momento de muita inspiração: o trecho em que Mickey conhece Nasha (Naomi Ackie) no refeitório, filmada como se fosse cinema mudo.
Não se trata de um filme ruim, longe disso, mas decepciona frente ao que o diretor já realizou anteriormente.
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Ficha técnica:
Mickey 17 | 2025 | 139 min. | Coreia do Sul, EUA | Direção: Bong Joon Ho | Roteiro: Bong Joon Ho | Elenco: Robert Pattinson, Mark Ruffalo, Tilda Swinton, Steven Yeun, Naomi Ackie, Toni Collette.
Distribuição: Warner.