Em Morte em Veneza, Luchino Visconti escancara a verdade que atormenta a vida de um músico em crise enquanto busca refúgio no Grand Hotel des Bains em Lido, Veneza.
E o ambiente luxuoso e clássico do hotel representa um retorno artificial aos tempos de felicidade, quando era jovem e estava casado e com uma filha, juntamente com um valorizado prestígio como compositor de música clássica. Esse passado entra no filme posteriormente, através de alguns flashbacks.
Porém, esse mundo perfeito ruiu quando a menina morreu. – aliás, um elo que conecta a outro filme que se passa no mesmo local, Inverno de Sangue em Veneza, de Nicola Roeg, lançado apenas dois anos depois. Além disso, se somaram o fim do casamento e o fracasso na carreira. Então, o Professor Gustav von Aschenbach desembarca em Lido neste estado fragilizado.
Como consequência, Gustav se encontra à mercê de uma verdade mantida no submerso de sua consciência. Enfim, o despertar dela acontece imediatamente com o aflorar da paixão platônica por Tadzio, um belíssimo garoto adolescente que passa as férias no hotel com a família.
A direção de Visconti
O diretor Luchino Visconti adapta esse romance de Thomas Mann corajosamente, ao não recorrer ao recurso facilitador da narração em off do personagem principal. Em outras palavras, ele se desafia a demonstrar os seus sentimentos angustiantes através dos elementos visuais e sonoros em cena, sem falar sobre eles.
Nesse intuito, a interpretação de Dirk Bogarde é sublime. Através de suas expressões faciais e corporais, com pouca conversa, ele transmite o que sente Gustav nessa incontrolável paixão proibida. O protagonista, adicionalmente, é um observador, e o filme reflete essa característica com longas cenas sem diálogos, num ritmo lento e contemplativo. Vale notar, ainda, o uso constante do zoom da câmera, recurso habitual do cinema dos anos 1970. E ainda a ousadia de subverter o uso do áudio, inserindo o som dos diálogos muito antes de eles entrarem em cena.
E a trama ainda reserva um lugar para a cólera que ameaça a cidade labiríntica de Veneza, apesar de as autoridades locais negarem a doença, a fim de não afugentar os turistas. Então, na parte final do filme, a peste já está devastando a cidade, numa metáfora com o desejo cada vez mais incontrolável do músico pelo adolescente. Por conseguinte, quando ele se prepara, todo maquiado, para dar vazão aos seus impulsos, a cólera o abate, numa cena inesquecível onde ele arde em febre na praia, com a tintura do cabelo escorrendo por seu rosto.
Por último, apesar de caber uma interpretação moralista a essa conclusão, isso não diminui o genial processo como o diretor Luchino Visconti retrata a angústia do protagonista. Afinal, sem precisar referir verbalmente ao desejo que ele sente, Morte em Veneza evidencia claramente a sua obsessão platônica cujo objetivo ele nunca conseguiu compreender.
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Ficha técnica:
Morte em Veneza (Morte a Venezia) 1971. Itália/França. 130 min. Direção: Luchino Visconti. Roteiro: Luchino Visconti & Nicola Badalucco. Elenco: Dirk Bogarde, Romolo Valli, Mark Burns, Nora Ricci, Marisa Berenson, Carole André, Björn Andrésen, Silvana Mangano.