Por muitos considerado o filme que inaugurou o neorrealismo italiano, “Roma, Cidade Aberta” continua impactante. O diretor Roberto Rossellini aborda o assunto do filme com imediatismo, logo após a Segunda Guerra Mundial. Com isso, consegue utilizar como locações para as filmagens a cidade de Roma parcialmente destruída, um fator essencial para essa escola de cinema.
A estória se estende sobre membros dos movimentos de resistência na época da ocupação de Roma pelos nazistas, em especial o padre Don Pietro e Pina, esta noiva de Francesco. A luta desses rebeldes é ingrata por causa do próprio regime fascista italiano, aliado do nazismo, e a presença de vários informantes traidores infiltrados entre os militantes. Sem concessões, o relato inevitavelmente resulta em tragédia, reflexo autêntico do que realmente aconteceu naqueles duros tempos de guerra.
Ousadias
Muito antes de Alfred Hitchcock matar a protagonista interpretada pelo nome mais famoso do elenco antes da metade do filme – em “Psicose” (1960) – Roberto Rosselini comete essa audácia em “Roma, Cidade Aberta”, pois elimina Anna Magnani na cena antológica em que Pina é morta pelos soldados alemães, durante sua vã tentativa de evitar que Francesco seja preso. Não vemos de onde vem o tiro que tira a vida de Pina sob os olhos de seu noivo e de seu filho desesperado. A atriz Anna Magnani some de cena então, no meio do filme, deixando o elenco somente com nomes desconhecidos. De fato, essa sequência ainda emociona pela crueldade dos nazistas, inserida de maneira inesperada no filme. Então, o que dizer do fuzilamento do padre Don Pietro e das sessões de tortura dos prisioneiros?
Ademais, o realismo do filme não poupa nem as ideias preconcebidas do público. As mulheres mais belas do elenco interpretam as traidoras, enquanto as feições menos glamourosas de Anna Magnani dão vida à personagem mais confiável do filme.
Sem dogmas
Em termos de estilo de filmagem, Rossellini não se preocupa em ser o precursor do neorrealismo, visto que não havia regras a seguir, como o Dogma 95 traria muitos anos depois. Por isso, em “Roma, Cidade Aberta” encontramos transições com efeito cortina, efeito usado em filmes de aventura, como no posterior “A Fortaleza Escondida” (1958), de Akira Kurosawa. Até mesmo o expressionismo alemão, estética completamente oposta ao realismo, entra no filme. Assim o constatamos na sequência em que o padre e o filho de Pina sobem e descem as escadas do prédio que está sendo invadido pelos nazistas. Planos em plongée e contra plongée se alternam para gerar um efeito vertiginoso na cena. Além disso, a inesquecível trilha sonora de Renzo Rossellini (irmão do diretor) soa grandiosa, épica e heroica.
Há até um pouco de humor no meio desse drama, talvez para aproximar um pouco mais o espectador da realidade retratada na tela. Por exemplo, o padre fica incomodado com a estátua de São Roque olhando para a nudez de uma escultura no estilo da Roma Antiga. Porém, o pós-guerra pedia realidade, por mais cruel que ela seja. Por isso, na abertura, a câmera faz um movimento de panorâmica da direita para a esquerda sobre a Roma ocupada pelos alemães. A direção é oposta ao que se encontra de praxe em filmes de faroeste, onde a pan vai da esquerda para a direita varrendo a paisagem do velho oeste, palco de heróis vitoriosos.
Os espectadores europeus que enfrentaram as agruras da guerra não aceitavam o escapismo fantasioso hollywoodiano. Por isso, lotaram as salas de cinema para se identificarem com os personagens trágicos de “Roma, Cidade Aberta”. Sem nenhuma intenção de inaugurar esse movimento cinematográfico, Rossellini lançava, assim, o primeiro filme neorrealista da história.
Ficha técnica:
Roma, Cidade Aberta (Roma Città Aperta, 1945) Itália, 103 min. Dir: Roberto Rossellini. Rot: Sergio Amidei e Federico Fellini & Roberto Rossellini. Elenco: Anna Magnani, Aldo Fabrizi, Marcello Magliero, Vito Annichiarico, Nando Bruno, Harry Feist, Giovanna Galletti, Francesco Grandjacquet, Maria Michi, Carla Rovere.