“Mulher-Maravilha” já provou seu sucesso de bilheteria. Na sua sexta semana de exibição, arrecadou mundialmente US$ 746 milhões, terceira maior nos Estados Unidos em 2017. O resultado se justifica pela carência do público feminino – e também do masculino – em ver uma mulher com superpoderes como protagonista, nessa enxurrada de filmes de super-heróis que vem povoando as telas nos últimos anos.
O que mais importa, porém, é a análise de “Mulher-Maravilha” como filme em si.
O roteiro resgata a origem da heroína, abordagem necessária porque muitos espectadores jovens desconhecem sua estória. Aliás, é uma das mais inspiradas do universo das comic books, resgatando o misticismo da mitologia grega para criar uma deusa, filha de Zeus. No primeiro terço do filme, acompanhamos o crescimento de Diana (não confundir com a deusa romana) numa paradisíaca ilha onde só vivem mulheres. Lá, Diana recebe de sua tia Antiope (Robin Wright) o treinamento para se tornar uma poderosa guerreira. Esse embasamento mitológico não é apenas decorativo. Ele explica a personalidade de Diana e é vital para o enredo. Afinal, Diana, como a Mulher-Maravilha, enfrentará Ares, o deus da guerra.
Fotografia
Há um grande contraste na fotografia, a partir do momento em que Diana resgata o soldado Steve Trevor (Chris Pine, o Kirk dos atuais filmes da franquia “Star Trek”) na praia. Depois, os dois partem da ensolarada e límpida ilha para a cinzenta e esfumaçada Londres, na época da Primeira Grande Guerra Mundial.
Daí em diante, essa será a paleta do filme, coerente com os tempos sombrios da época. Essa abordagem dura eleva o longa-metragem além do padrão das versões cinematográficas de super-heróis, mais voltados para o público juvenil e recheados de piadas. Os momentos de humor em “Mulher-Maravilha” se restringem à chegada de Diana em Londres. E aproveitam a visão ingênua dela, que nunca havia saído de sua ilha natal.
Cenas de ação
As cenas de ação em “Mulher-Maravilha” se destacam em relação às produções atuais do gênero. A diretora Patty Jenkins utiliza abundantemente o slow motion nas lutas. Não para enfatizar a violência como Sam Peckinpah, mas para permitir que o espectador aprecie e compreenda a coreografia dos combates, cheia de golpes estilosos.
Jenkins aposta no estilo de “300” (de Zack Snyder, um dos escritores de “Mulher-Maravilha”) e “300: Ascenção do Império” (de Noam Murro). que aplicavam muita câmera lenta. Com isso, e se afasta de outros como “Homem-Aranha: De Volta ao Lar” (de Jon Watts), em que as sequências de ação são tão aceleradas que o espectador nem consegue entender o que está acontecendo.
No entanto, aqui o combate entre as guerreiras amazonas e os soldados alemães na ilha de Diana apresenta um pouco dessa dificuldade de se assimilar os detalhes dos confrontos. Cenas de enfrentamentos em grupo demandam muito talento, que Jenkins não conseguiu demonstrar plenamente.
Ela se deu bem melhor no corpo-a-corpo entre a Mulher-Maravilha e Ludendorff (Danny Huston), equalizados fisicamente porque o general alemão toma uma droga que lhe dá poderes sobre-humanos. No grand finale, o duelo entre a deusa e Ares (David Thewlis) segue a linha de disputa de magias, e não luta física, remetendo a “Doutor Estranho”. Como resultado, isso não empolga tanto quanto uma boa briga.
Como resultado, a diretora conseguiu com “Mulher-Maravilha” abrir uma nova porta para sua carreira. Este é seu segundo longa-metragem no cinema, depois de trabalhar na TV e realizar “Monster: Desejo Assassino” (Monster, 2003), filme que conquistou o Oscar de melhor atriz para Charlize Theron.
Gal Gadot
A escalação da atriz Gal Gadot para o papel da “Mulher-Maravilha” é um tremendo acerto. Afinal, Gadot representa o típico mulherão, alta, grande e poderosa, com rosto bonito que não é sensual demais nem delicado como de uma menina (como Melissa Benoist, a “Supergirl” da série de TV).
Assim, ela segue o padrão de Lynda Carter, do seriado “Mulher Maravilha” dos anos 1970. Porém, atualizada com um figurino que, felizmente, não lembra um maiô, conseguindo ser glamoroso e evitando a vulgaridade.
Feminismo contido
Por outro lado, algumas bandeiras feministas se levantaram exaltando “Mulher-Maravilha”. Porém, exceto pela óbvia superioridade da super-heroína em relação aos homens comuns, essa não surge como a mensagem mais evidente. Essencialmente, o filme é abertamente antibelicista, posição que possui apelo muito mais universal.
Nesse sentido, os valores puros de Diana explodem em angústia ao se deparar com as vítimas da guerra. Por exemplo, as pessoas do pequeno vilarejo perto do quartel general alemão. Por isso, o conformismo de Steve Trevor e seus companheiros revolta Diana, que resolve agir por conta própria. A ideia do mal plantado nos homens pelo deus Ares se encaixa na explicação mística sobre um comportamento para ela absurdo.
Assim, ao contrário de outras produções baseadas em HQs, que criam vilões extraterrestres para enfrentar os poderosos super-heróis, “Mulher-Maravilha” não provoca essa alienação. Afinal, os tempos de guerra não terminaram com o fim da Primeira Grande Mundial. Portanto, não há necessidade de se inventar um vilão de outro planeta. O mal maior já está aqui.
Ficha técnica:
Mulher-Maravilha (Wonder Woman, 2017) EUA/China/Hong Kong/Grã Bretanha/Itália/Canadá/Nova Zelândia, 141 min. Dir: Patty Jenkins. Rot: Allan Heinberg. Com Gal Gadot, Chris Pine, Connie Nielsen, Robin Wright, Danny Huston, David Thewlis, Saïd Taghmaoui, Ewen Bremmer, Eugene Brave Rock, Lucy Davis, Elena Anaya, Lilly Aspell, Lisa Loven Kongsli, Ann Wolfe, Ann Ogbomo, Emily Carey, James Cosmo, Wolf Kahler, Martin Bishop.
Assista: entrevista com a diretora Patty Jenkins
Assista: cenas de bastidores de “Mulher-Maravilha”