As primeiras cenas de Mundo Novo dão a impressão de certo amadorismo. O cenário é um apartamento vazio, os protagonistas estão malvestidos e tomam um lanche composto de suco e pão de queijo no saquinho. Os planos não demonstram grande planejamento – um geral, e plano/contraplano. O casal, depois, pede um Uber e faz a viagem ao som de um rap. A música parece intrusiva, porque até então não sabemos que o protagonista Marcelo (Nino Batista) trabalha como grafiteiro. E o filme, nesse e em outros momentos, relaciona o rap com essa arte. Por sinal, sua noiva que aparece nessas cenas é a advogada Conceição (Tati Villela).
Em paralelo, entra a primeira cena na distinta casa no morro do Vidigal, no Rio de Janeiro. Lá vive seu irmão Charles (Kadu Garcia), com seu marido Carlos (Paulo Giannini), e a empregada Kelly (Melissa Arievo). O que move a trama é a necessidade de Marcelo conseguir que Charles aceite ser o fiador do financiamento da casa que ele e Conceição querem comprar para morarem juntos.
O racismo nas entrelinhas
Segundo o diretor e roteirista Alvaro Campos, a inspiração para Mundo Novo vem de Adivinhe quem Vem para Jantar (Guess Who’s Coming to Dinner, 1967), de Stanley Kramer. Tal afirmação evidencia que o filme de Campos se trata de um drama sobre o racismo estrutural. Até certo ponto do enredo, esse tema surge somente nas entrelinhas, dentro da volumosa quantidade de diálogos. A princípio, não parece que o receio de Conceição, que conhece pela primeira vez o cunhado, tenha a ver com a sua cor de pele. A impressão é que ela sente o mesmo medo que todos sentem quando são apresentados à família do futuro cônjuge.
Afinal, ela possui uma posição profissional mais conceituada do que o seu noivo grafiteiro – como acontecia com o personagem de Sidney Poitier no filme que serviu de inspiração. Além disso, Charles vive num casamento do mesmo sexo, portanto, se espera que tenha a mente aberta, sem preconceitos. O racismo só fica explícito mesmo na parte final, quando chegam as duas irmãs de Conceição para jantar.
Sem ser incisivo
As profissões possuem função essencial no enredo. Charles trabalha no mercado financeiro, Carlos é um livreiro falido. A irmã mais velha é professora universitária e pesquisadora acadêmica, enquanto a mais nova trabalha em casa. Logo, quem protagoniza a discussão final são os que possuem status maior: Conceição, Charles e a irmã professora. Enquanto isso, Marcelo vira espectador e Charles e a caçula falam baixarias.
O debate levanta questões valiosas, abrangendo a história do Rio de Janeiro no tempo em que havia escravos e detalhes contratuais. As críticas políticas que pontuaram algumas das frases ao longo do filme atingem o ápice no final, quando Charles cita que tem dúvidas de que Conceição, no futuro, ainda mantenha sua sólida posição no mercado. Como exemplo, ele a compara com a sua empregada Kelly.
Já não pensamos mais sobre o aparente amadorismo da sequência inicial. Filmado em bela fotografia em preto e branco (talvez uma analogia ao tema), todas as cenas filmadas na casa, que tem vista para o mar, comprovam o profissionalismo de Alvaro Campos. Variados planos, quase todos bem enquadrados, afastam possíveis acusações de teatro filmado, apesar de ser um filme apoiado nos diálogos.
O último dos planos sobe da casa em preto e branco para a favela no morro acima, filmada com cores, possibilitando diferentes interpretações. Uma delas, que a comunidade é mais colorida, ou seja, menos racista.
Essa conclusão resume a posição de Mundo Novo. Um filme que levanta uma bandeira, mas tentando não ser muito incisivo. Por isso, demora para explicitar o racismo. Pode ser uma opção consciente, pois se aproxima do efeito do racismo estrutural, que é um mal silencioso. Mas, com isso, dilui a força da mensagem.
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Ficha técnica:
Mundo Novo | 2021 | 87 min | Brasil | Direção: Alvaro Campos | Roteiro: Alvaro Campos e elenco | Elenco: Tati Villela, Kadu Garcia, Nino Batista, Melissa Arievo, Paulo Giannini, Leandra Miranda, Polly Marinho.
Distribuição: O2 Play.
Assista ao trailer aqui.