O segundo filme que a atriz Olivia Wilde dirige corresponde às boas expectativas que sua estreia, Fora de Série (Booksmart, 2019), despertou. O gênero é outro, pois Não Se Preocupe, Querida (Don’t Worry, Darling) se classifica como um suspense distópico, bem distante da comédia do longa anterior. Mas, ela conta novamente com o apoio de Katie Silberman no roteiro, ela que foi coautora da estreia. Silberman adapta a estória criada por Carey Van Dyke e Shane Van Dyke, responsáveis pelo roteiro de O Silêncio (The Silence, 2019).
O novo filme traz algumas características temáticas que se repetem nessa ainda curta filmografia de Olivia Wilde. Ainda é cedo defender seu autorismo, mas o exercício de apontar semelhanças pode contribuir para futuras análises nesse sentido. O ponto principal é a sua visão crítica da sociedade.
Crítica social
Em Fora de Série, Wilde evita os estereótipos, tanto das protagonistas como de seus alvos de paixões platônicas, e ainda faz graça com as formas perfeitas tradicionalmente cultuadas até nas bonecas tipo Barbie. E essa última questão surge numa inesperada sequência animada, quase um devaneio.
Não Se Preocupe, Querida apresenta uma crítica ainda mais ácida ao modo de vida americano, em especial aos valores cultuados nos anos 1950. Opondo-se ao caos do pós-guerra na Europa, os Estados Unidos vendiam com orgulho a prosperidade, alcançada com a padronização. A vida perfeita do subúrbio de classe média aparece no filme com toda a sua simetria e suas cores fortes, o que remete até à abertura da série Weeds (2005-2012). Todos os dias, à mesma hora, os maridos saem de suas belas casas em seus carros novos, após se despedirem de suas esposas, que passam o dia cuidando do lar. Aqueles que seguirem todas as regras conseguem ainda se destacar e subir na vida. É o que almeja o casal central do enredo, Alice (Florence Pugh) e Jack Chambers (Harry Styles).
A crítica social se fortalece com o surgimento do presidente da empresa para a qual trabalham todos os moradores desse bairro planejado. Frank (Chris Pine) lidera como os gurus da administração, e assim manipula todos a se comportarem da mesma forma. O filme exemplifica isso de forma até cruel, quando na festa corporativa, Frank induz Jack a dançar ridiculamente em cima do palco, após lhe dar uma promoção. Mas, nesse ponto, Alice já quebrou o seu conformismo, e antes sua empolgação, e começa a questionar esse ambiente.
Delírios
Por esse motivo, Alice sofre vários delírios, como Frank explica. E essa é outra característica da direção de Olivia Wilde. Em sua estreia, se destacava a sequência animada e a imaginação da dança com o crush. Desta vez, são vários trechos de delírios. Alguns parecem reais, outros parecem devaneios mesmo. Alice desafia entrar no território limitado apenas aos trabalhadores da empresa e até a se sentar na cabeça da mesa no jantar, quebrando a hierarquia patriarcal para confrontar o líder.
Os delírios se justificam quando a parte final revela o segredo por trás de tudo, mas enquanto isso, por serem numerosos, cansam um pouco. No entanto, quando a diretora Olivia Wilde aproveita para criar belas relações imagéticas, os devaneios enriquecem o filme. Nesse sentido, destacamos os trechos de danças no estilo Busby Berkeley, com suas coreografias vistas de cima que ilustram a simetria e o controle, dois valores essenciais para a filosofia de Frank. Aqui o efeito caleidoscópio ainda se funde com a íris dos olhos, quando os mistérios se desfazem. Simbolismos, como os ovos com casca perfeita e vazios por dentro, ou os vidros impecavelmente limpos, são outros pontos fortes do filme.
Spoilers adiante
Não Se Preocupe, Querida não termina com uma última cena bombástica, como a sua narrativa nos faz esperar. A revelação vem na parte final, mas antes da última cena. Com isso, Olivia Wilde foge do clichê, porém, arrisca desagradar o público. Ao invés disso, revela com calma o que acontece. O celular indica que estamos no dia de hoje, e o que vimos até então, se não é O Show de Truman (The Truman Show, 1998), como muitos podem desconfiar, passa perto. Na verdade, o conceito é mais atual, um jogo como Second Life mais avançado.
A revelação é consistente, o que é essencial para esse gênero de filme, e satisfaz o espectador com soluções coerentes. Por exemplo, o fato de os maridos sumirem durante o dia para trabalhar, não dentro dessa vida virtual, mas nos seus empregos na vida real. E o tempo alongado da parte final permite ainda que se acentue a crítica ao patriarcalismo impregnado na sociedade. Afinal, o que Jack considera como a vida dos sonhos não é a vida de Alice.
Vale ainda destacar a canção de Alice Faye (mesmo prenome da protagonista) que surge nos créditos finais. “You’ll Never Know” reprisa a abertura de Alice Não Mora Mais Aqui (Alice Doesn’t Live Here Anymore, 1974). Esse filme de Martin Scorsese, com forte temática feminista, usa a canção para mostrar a mudança dos tempos no que toca as mulheres. Estas não querem mais ser as donas de casa perfeita dos anos 1950. Em outras palavras, essa Alice não mora mais no nosso mundo.
Mesmo sem um desfecho bombástico, Não Se Preocupe, Querida agrada por causa dessa consistência. E, claro, dos acertos da direção de Olivia Wilde. Vale a pena rever para constatar (se e) o quanto essa obra cresce.
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Ficha técnica:
Não Se Preocupe, Querida | Don’t Worry Darling | 2022 | 2h02 | EUA | Direção: Olivia Wilde | Roteiro: Katie Silberman, Carey Van Dyke, Shane Van Dyke | Elenco: Florence Pugh, Olivia Wilde, Chris Pine, Harry Styles, Gemma Chan, Sydney Chandler, Kate Berland.
Distribuição: Warner.