O drama dinamarquês No Final das Contas traz uma perspectiva adulta sobre o relacionamento entre um grupo de pessoas com idade próxima aos 40 anos.
E essa abordagem madura da diretora May el-Toukhy, que realizaria depois Rainha de Copas, coloca No Final das Contas próximo dos dramas dirigidos por Woody Allen. Nesse sentido, uma das semelhanças é a importância que o roteiro deposita em vários personagens, e não apenas em um só protagonista. Com isso, vem também a profundidade deles todos, porque cada um é construído com sua especificidade, desde os seus comportamentos e ideais de vida, até os problemas que enfrentam.
Ellen
No Final das Contas, no entanto, possui sim uma personagem principal definida, que é Ellen, interpretada por Mille Lehfeldt. Solteira, ela mantém um caso com o marido de uma das amigas que faz parte desse grupo que o filme enfoca.
De fato, a linha narrativa desta personagem é cativante. Ela é considerada uma outsider, que se ilude totalmente com a possibilidade de divórcio do seu amante. Durante o filme, que cobre um período curto, ela enfrenta várias decepções decorrentes de suas atitudes imaturas. Dessa forma, desperdiça a oportunidade de um amor verdadeiro por causa de uma ilusão que ela descobre que é apenas uma idealização platônica.
Demais personagens
De maneira semelhante, os outros personagens orbitantes são igualmente intrigantes. Por exemplo Anette, vivida pela atriz Trine Dyrholm, de Rainha de Copas, enfrenta uma crise em seu relacionamento com sua namorada, quando esta manifesta o desejo de ter filhos. Para Anette, isso implica numa mudança drástica, que destruirá o clima romântico entre elas.
Outro personagem, Rolf, resolve se casar, mas enfrenta uma doença terminal de uma pessoa amada. Um casal passa pelo processo de afastamento e divórcio, quando o marido não aguenta mais ser submisso à mulher. E, Max se casa às pressas porque engravida sua nova namorada, talvez tirando as esperanças de Ellen encontrar nele seu par ideal.
Em contrapartida, a presença de vários personagens interessantes reduz o potencial dramático do filme. É um microcosmo bem construído, mas com uma terceira camada de coadjuvantes numerosos, cujas subtramas também são levantadas. Por isso, em alguns momentos, se torna até difícil lembrar quem é cada um deles.
A direção de May el-Toukhy
Quanto à estrutura narrativa, a diretora May el-Toukhy divide o filme em capítulos, cada qual refletindo uma ocasião onde o grupo de amigos se encontra. Assim, começa numa véspera de ano novo, passa por uma viagem, um casamento, um enterro, uma festa de criança etc.
Aliás, no casamento, destaca-se uma sequência muito bem dirigida. Ellen é avisada de supetão que precisa discursar em homenagem ao amigo noivo. Ela não preparou nada, mas aceita, já em estado de alta embriaguez. De súbito, a cena corta antes de ouvirmos o seu discurso, e leva direto para um plano dela no carro, sozinha, se lamentando pelo que disse.
E, no mesmo evento, um casal discute agressivamente, mas a música alta não permite que o espectador ouça o que dizem. Esses são dois exemplos do uso dramático eficiente da imagem, tornando desnecessário recorrer às palavras para comunicar uma ideia.
Concluindo, No Final das Contas é um filme austero, mas com a dose certa de drama. Seu tom é leve, o que não impede de aprofundar consistentemente seus personagens, com a inconveniência de serem numerosos demais, prejudicando a fluidez da estória. Mas deixa evidente o dom de May el-Toukhy em conduzir temas adultos.
Ficha técnica:
No Final das Contas (Lang Historie Kort) 2015, Dinamarca, 100 min. Direção: May el-Toukhy. Roteiro: May el-Toukhy e Maren Louise Käehne. Elenco: Mille Hoffmeyer Lehfeldt, Jens Albinus, Trine Dyrholm, Peter Gantzler, Danica Curcic, Norma Omega Mengers Andersen, Leonard Georg Antonakakis, Thomas Argiris, Nadia Auda.