John Ford mudou a história dos faroestes com No Tempo das Diligências. Apesar de ele já ter dirigido vários filmes do gênero até então, desta vez ele realizou muito mais que uma película repleta de ação.
A estória de Ernest Haycox, roteirizada por Dudley Nichols, permitiu ao diretor John Ford filmar um faroeste com novas dimensões. Além da aventura, No Tempo das Diligências entrava no psicológico e no social. Para isso, o filme reunia em uma diligência nove personagens bem distintos. E, da interação entre eles, surgiam conflitos que evidenciavam os preconceitos sociais e, ao final, revelavam o verdadeiro caráter de alguns deles. Posteriormente, Alfred Hitchcock filmaria Um Barco e Nove Destinos (1944), com uma premissa similar, inclusive com a mesma quantidade de personagens, mas ambientada em um barco à deriva. Também Quentin Tarantino se inspiraria nesse filme para realizar o seu Os Oito Odiados (2015).
Ringo, Dallas e Dr. Boone
Além disso, No Tempo das Diligências elevou John Wayne à categoria de astro do cinema. Aliás, a sua entrada no filme é antológica. A câmera se aproxima dele, que gira um rifle em sua mão direita, e o plano fecha com seu close-up. Seu personagem, Ringo Kid, é o último a se juntar à diligência. Ele acaba de fugir da prisão e quer seguir com a diligência até o seu destino, onde pretende se vingar dos assassinos de seu irmão. Na prisão desde os 17 anos, Ringo desconhece o tipo de preconceito que os demais viajantes possuem em relação à prostituta Dallas. Por isso, durante o trajeto, ao testemunhar as ações bondosas de Dallas, Ringo propõe a ela o casamento.
Apesar do desprezo demonstrado por Lucy, a grávida casada com um militar, Dallas a ajuda na hora do parto, salvando-lhe a vida. Da mesma forma, o médico Boone, que sofre chacotas e críticas por ser alcoólatra, assume com seriedade sua profissão e traz à luz o bebê de Lucy. E Ringo é o principal responsável pela sobrevivência do grupo quando os apaches os atacam. Dessa forma, o filme investe contra o preconceito da sociedade contra essas pessoas marginalizadas.
Por outro lado, o banqueiro sobe na diligência levando consigo o dinheiro da instituição. Ele representa o oposto de Dallas, Boone e Ringo. Ou seja, a sociedade o respeita, mas ele é desonesto.
Os outros
Outros personagens fazem a travessia sem mudar suas características. Nesse grupo, temos o jogador de cartas Hatfield, que tenta seduzir Lucy; Peacock, o urbano e medroso vendedor de uísque; e o condutor Buck. Cabe a esses dois últimos o papel de alívio cômico na estória, elementos comuns nos faroestes de John Ford. Adicionalmente, Ford mantém também um rápido trecho musical, cantado pela apache casada com o dono da taverna.
Além destes, outro personagem essencial é o xerife Curley. É ele quem, oficialmente, assume a responsabilidade pela segurança da viagem. Aliás, há uma crítica ao exército, já que a tropa militar escolta o grupo somente até certo trecho. Apesar da certeza do que os viajantes enfrentarão no restante do caminho, o tenente apenas afirma que ele “só cumpre ordens”. Depois, ao final do ataque, o exército se redime ao aparecer quando o grupo já não podia mais resistir aos índios.
Voltando ao xerife, ele representa o papel da justiça, uma figura pensante, além do “cumprir ordens” do jovem militar. Durante toda a jornada, ele é duro com Ringo, a quem sabe que precisa prender. Mas, abre a exceção de lhe fornecer armas durante o ataque apache, pois sabe que Ringo tem condições de ajudar o grupo a se salvar. Ao final, após o fugitivo provar ser um homem honrado, o xerife o deixa escapar, mesmo que essa não seja a ordem oficial que ele deveria executar.
Ação espetacular
Por outro lado, No Tempo das Diligências não decepciona no quesito ação. Pelo contrário, pois o ataque dos índios ao grupo é eletrizante. Tudo acontece em velocidade máxima, pois a diligência corre desesperadamente para se livrar dos apaches. O filme alterna entre a visão de dentro da carruagem, com os viajantes tentando se proteger ou revidar com tiros. Lá fora, Ringo assume o protagonismo, seja atirando deitado no teto da diligência, ou no clímax em que ele salta entre os cavalos para conduzi-los. Ao final, como já conhecemos tão bem cada um dos integrantes do grupo, ficamos aliviados ao vermos a cavalaria do exército chegar quando já não havia mais esperança.
Mas, tem mais ação no filme. Afinal, não poderia faltar o grande duelo final. Ringo Kid enfrenta os três assassinos de seu irmão em uma rua deserta da cidade. E o confronto supera a previsível troca de tiros. Ringo se joga no chão e a cena corta para Dallas em outro ponto da cidade. Ela ouve os tiros, mas não sabe o resultado, assim como o espectador. Dessa forma, John Ford potencializa magistralmente o suspense do duelo.
Crítica social
Após o duelo, o médico solta uma frase que retoma com cinismo a crítica social do filme. Ele comenta, ao ver Ringo e Dalla partirem em direção a um rancho isolado: “Well, they’re saved from the blessings of civilization.” (tradução: “Bom, eles estão a salvos das bençãos da civilização.”). Em outras palavras, o fugitivo e a prostituta poderão construir suas vidas juntos, sem serem vítimas do preconceito.
Para concluir, esse final cria uma conexão com um aspecto da vida do próprio John Ford. Afinal, o diretor foi constantemente criticado por matar muitos índios em seus filmes, como se propagasse uma ideia racista. Em entrevista à BBC, já no final de sua carreira, ele conta que No Tempo das Diligências foi o primeiro filme que ele fez nas icônicas paisagens do Monument Valley, no Arizona. E o que o motivou a ir para lá foi a notícia de que os índios navajos estavam sofrendo com a fome. Pois o filme empregou vários deles e lhes deu o sustento necessário para sobreviver. A ajuda foi tão importante que, décadas depois, os índios ainda o agradeciam por isso. Ou seja, o próprio Ford também sofreu preconceito, tal qual Dallas e Ringo.
Por tudo isso, No Tempo das Diligências merece ser louvado como um dos maiores faroestes, e um dos maiores filmes, da história do cinema. O filme ganhou dois Oscars, de melhor ator coadjuvante (Thomas Mitchell, o médico) e trilha musical. Merecia mais prêmios da Academias, mas foi ofuscado pela megaprodução …E o Vento Levou.
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Ficha técnica:
No Tempo das Diligências (Stagecoach) 1939. EUA. 96 min. Direção: John Ford. Roteiro: Dudley Nichols. Elenco: John Wayne, Claire Trevor, Andy Devine, John Carradine, Thomas Mitchell, Louise Platt, George Bancroft, Donald Meek, Berton Churchill, Tim Holt, Tom Tyler.