A distopia extrema do filme Nova Ordem incomoda por ser plenamente possível.
O diretor e roteirista Michel Franco traz para as telas os resultados de uma revolução social na Cidade do México. A princípio, parece se tratar de uma revolta da classe trabalhadora. Pelo menos, é o que indica o microcosmo de uma família rica celebrando o casamento de sua filha na ostentosa propriedade urbana deles.
Porém, a incômoda chegada de um ex-funcionário pedindo um empréstimo para a cirurgia emergencial da esposa demonstra o tratamento insensível típico de patrão com empregado. Enquanto a noiva, única a se dispor a ajudar, sai com o motorista da família em direção à casa do ex-empregado, manifestantes invadem a festa.
Manifestantes x Militares
A partir daí, fica evidente que Nova Ordem é totalmente disruptivo. Afinal, nenhum filme antes retratou ações tão extremas, mantendo-se dentro do limite do realizável. De fato, os manifestantes são o oposto de pacíficos. Armados, eles alvejam seus opositores sem dó. Para piorar, o movimento está espalhado pela cidade inteira, impedindo a livre circulação.
Ao mesmo tempo, os militares ocupam as ruas com um toque de recolher, e, também, são igualmente agressivos. Nesse sentido, eles agem com desumanidade, e até sequestram pessoas ricas, como a noiva do começo do filme, para serem torturadas, estupradas e servirem como moeda de troca para exigir resgate das famílias.
E nesse cenário de injustiça, imperam a violência e a corrupção. Assim, não é a classe social que define quem são as vítimas e quem os algozes. Na verdade, aqueles com o poder judiam daqueles que estão abaixo, essa é a regra básica dessa nova (des)ordem.
No início, o filme começa com uma colagem de imagens enigmáticas, que antecipam o que veremos a seguir. Mais tarde, a partir da invasão da mansão dos ricos, Nova Ordem seguidamente choca o espectador, detonando a expectativa criada por situações similares em outras obras do cinema.
Além de apresentar essa experiência inimaginável, Nova Ordem coloca medo no público, porque as situações extremas que o filme expõe não são fantasia. De fato, elas podem acontecer, e basta assistir aos noticiários para encontrar indícios desses comportamentos, em princípio, imorais.
Michel Franco
O mexicano Michel Franco já foi premiado em Cannes por seus filmes Depois de Lúcia (2012), vencedor da seção Um Certo Olhar, Chronic (2015), premiado como melhor roteiro, e As Filhas de Abril (2017), vencedor do Prêmio Especial do Júri da seção Um Certo Olhar. Analogamente, Nova Ordem já recebeu o Leão de Prata e o Leoncino d’Oro Agiscuola do Festival de Veneza.
Obs: tivemos acesso a esse filme na cabine para a imprensa da 44ª Mostra Internacional de Cinema em São Paulo.
Ficha técnica:
Nova Ordem | 2020 | México/França, 88 min. Dir/Rot: Michel Franco. Elenco: Naian González Norvind, Diego Boneta, Mónica del Carmen, Fernando Cuautle, Eligio Meléndez, Darío Yazbek.