Após despontar com O Amante da Rainha (2012), o diretor dinamarquês Nikolaj Arcel fez a desapontadora adaptação de A Torre Negra (2017), de Stephen King. Então, voltou ao seu país para contar mais da sua história em O Bastardo.
No início, vários elementos do filme o colocam dentro do gênero faroeste. O enredo acontece em 1755, numa região dominada por urzes na Jutlândia. O rei da Dinamarca incentiva a colonização dessa área, mas poucos se arriscam, pois a terra é considera infértil. O veterano de guerra Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) ganha a permissão para cultivar ali, e se conseguir obterá o tão almejado título de nobreza. Como num western, ele enfrenta, além das condições naturais adversas, um poderoso latifundiário, Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg), que quer ser dono de todas as terras da região.
A jornada do pioneiro
Ao lado da trama, o protagonista taciturno, que nunca sorri e pouco fala, também remete a personagens do faroeste, como uma versão nórdica de Clint Eastwood. Na forma, o widescreen aproveita a paisagem horizontal para ampliar a sua vastidão. Porém, conforme a narrativa se desenvolve, mais o filme se afasta do faroeste. O personagem principal, Kahlen, não é o pistoleiro exímio que chega numa cidade e acaba com os homens do mal. Ele é uma pessoa humanizada, determinada a tudo para conseguir seu objetivo, desde que agindo dentro da ética.
No entanto, nessa jornada, enfrenta dilemas. Está em constante disputa contra o malfeitor, embate com momentos de vitória e de derrota. Tenta não apelar para a violência, mas nessa terra sem lei, descobre que esse pode ser o único recurso. Toma decisões duras, que protegem o objetivo de seu plano, porém, acaba ferindo as pessoas que o apoiam. Quando tem a chance de se redimir, no entanto, pode ser tarde demais, pois uma vida inteira pode ter sido desperdiçada na busca por algo que não era assim tão importante. Já o vilão é odioso, um psicopata sádico e aproveitador que esconde sua sujeira atrás do seu título de nobreza. Mas que é caracterizado também por ser ridiculamente fraco – num tom quase anedótico, talvez o ponto fraco do filme.
O Bastardo cobre os primeiros anos, os mais difíceis, de Kahlen no urzal. Diversos eventos dramáticos se espremem em pouco mais de duas horas, que comportam tanto conteúdo porque as elipses são muito bem utilizadas. Abre-se espaço para a atuação dos ciganos naquela época e local, assim como para o romance que divide o protagonista entre uma trabalhadora e uma mulher rica atrás de um título de nobreza. Além disso, relata como se deu a colonização com os alemães imigrantes.
Riqueza de imagens
As imagens são belíssimas. E não só em termos da fotografia, que alternam texturas conforme pede a cena, e se aproximam de pinturas nos interiores à luz de velas. As imagens, além disso, contam a narrativa evitando expressar tudo verbalmente. Nesse sentido, destaca-se a cena em que Kahlen devolve o balde com as sobras de comida e o saco cheio de moedas. A mesma força tem o sol nascendo no horizonte como uma contagem regressiva para que o protagonista consiga proteger sua plantação da geada que se aproxima. Por fim, tem ainda a relação dele com a governanta Ann Barbara (Amanda Collin). No início, fazem sexo só para se aquecerem na noite fria. Mas, em momento posterior, um beijo sinaliza que brotou ali uma afeição maior.
Dito isto, fica evidente a riqueza do filme O Bastardo. Nunca superficial, possui um drama denso, personagens marcantes, situações realistas, e uma lição de vida. Tudo envolto numa forma plástica exuberante. E, sem recorrer a emoções baratas, o que quase parece acontecer no epílogo com o reconhecimento tardio, mas que serve, na verdade, para preparar o terreno para a redenção e a epifania do personagem principal – um desfecho amargo e surpreendente.
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Ficha técnica:
O Bastardo | Bastarden | 2023 | 127 min. | Dinamarca, Suécia, Noruega, Alemanha | Direção: Nikolaj Arcel | Roteiro: Nikolaj Arcel, Anders Thomas Jensen | Elenco: Mads Mikkelsen, Amanda Collin, Simon Bennebjerg, Melina Hagberg, Kristine Kujath Thorp, Gustav Lindh, Morten Hee Andersen, Thomas W. Gabrielsson, Magnus Krepper, Søren Malling.
Distribuição: Pandora Filmes.
Trailer: