Clint Eastwood revisita o tema da pessoa comum que se transforma em herói diante de um atentado terrorista, tal como retratado em 15h17: Trem Para Paris (2018). Em O Caso Richard Jewell, ele avança na dramaticidade do assunto, espelhando-se em Alfred Hitchcock para explorar a tese do inocente acusado.
O filme se inicia dez anos antes da narrativa principal, numa sequência curta inserida para que conheçamos os dois protagonistas, Richard Jewell (Paul Walter Hauser) e Watson Bryant (Sam Rockwell). Jewell trabalha como ajudante geral na mesma empresa que o advogado Bryant. Percebemos que Jewell possui inteligência limitada. Ingênuo, ele tenta agradar a Bryant, comprando-lhe barras de seu chocolate preferido, e declara que sonha em ser um policial. O advogado percebe a deficiência do colega e o trata bem. Em poucos minutos, capturamos a essência desses dois personagens.
Segurança
O Caso Richard Jewell pula então para 1996, na cidade de Atlanta, base para as Olimpíadas daquele ano. Jewell não conseguiu se tornar um policial, mas se sente importante trabalhando como segurança para os jogos olímpicos. Exageradamente zeloso, vira piada dos colegas, mas acaba sendo responsável por descobrir uma bomba no Centennial Olympic Park. Assim, salva muitas vidas, e a mídia rapidamente o torna famoso. Porém, o reverso acontece na mesma medida, quando o FBI resolve investigá-lo como suspeito de ter plantado a bomba no local. Jewell recorre então ao único advogado que ele conhece, Watson Bryant.
Como Hitchcock já provou em vários de seus filmes, o público facilmente toma partido da pessoa inocente acusada inocentemente pelas autoridades. Se nos longas do diretor inglês o acaso gerava provas de acusação para a pobre vítima, em O Caso Richard Jewell é ela própria que faz isso. Devido a sua ingenuidade, Jewell solta frases que o tornam ainda mais suspeitos, para desespero do espectador que torce para que ele seja declarado inocente.
Ausência de malícia
Sem que ele se transforme radicalmente, o que seria pouco provável, Jewell aprende durante essa dura experiência. Prestes a ser interrogado formalmente no escritório do FBI, Watson Bryant o desafia a encontrar a barra de chocolates que ele gosta no carrinho que um funcionário empurra no corredor. Ausente de malícia, Jewell se dirige até o carrinho e percebe que não é de comida, mas de material de limpeza, e que o seu advogado estava tirando sarro dele. Esse lance a princípio insignificante está no filme porque serviu para acender a centelha que indica ao personagem que ele não deve crer em tudo.
Por isso, na mesma sequência, a cena que se segue mostra Jewell diferente, contestando veemente a situação de acusação forçada pelo FBI, entidade que ele tanto admira. Ele percebe que não pode confiar cegamente na instituição, assim como no amigo que lhe pregou uma peça. O toque de talento do diretor Clint Eastwood surge então na porta de vidro da sala do interrogatório, onde vemos o logotipo adesivado do FBI, só que do lado inverso, ilustrando que o bureau, naquela situação, agia de maneira inversa aos propósitos para os quais foi criado.
Matéria equivocada
Com isso, O Caso Richard Jewell prova como uma notícia na imprensa pode afetar dramaticamente a vida de um indivíduo, e a jornalista responsável sentirá o peso de sua matéria equivocada, arrependendo-se. E nos ensina a não pré-julgar as pessoas com base em reportagens. Se fizermos isso, seremos tão ingênuos quanto Jewell.
Esta era uma história real fadada ao esquecimento. Mas, Clint Eastwood a resgata para transformar num filme que nos faz torcer pelo inocente acusado injustamente, como em Sully: O Herói do Rio Hudson (2016). É muito provável que sua intenção seja a de louvar a pessoa comum que age heroicamente em situação de perigo, como já fez antes, novamente com ótimos resultados.
Ficha técnica:
O Caso Richard Jewell (Richard Jewell, 2019) EUA. 131 min. Dir: Clint Eastwood. Rot: Billy Ray. Elenco: Paul Walter Hauser, Sam Rockwell, Jon Hamm, Brandon Stanley, Ryan Boz, Charles Green, Olivia Wilde, Mike Pniewski.
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