Filmar um longa-metragem inteiro em só um plano-sequência exige um planejamento cirúrgico e uma execução sem falhas. Não estamos falando de filmes como Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância) (Birdman or [The Unexpected Virtue of Ignorance]) e 1917 (2019), que possuem longos planos-sequências unidos por emendas invisíveis. Um dos mais recentes e memoráveis exercícios desse desafio é Arca Russa (Russkiy kovcheg, 2002). No entanto, a realização de Philip Barantini em O Chef (Boiling Point) soa superior ao experimento de Aleksandr Sokurov. Primeiro, por ser uma produção independente e não uma grande produção como a russa. Segundo, porque o recurso se alinha perfeitamente com a narrativa.
Imagine a tensão de manter a câmera ligada durante toda a duração do filme, captando a adaptação do roteiro conforme foi exaustivamente ensaiada. Não só os atores, mas toda a equipe deve trabalhar conforme o planejado para não deixar que nada fique fora do script, nem mesmo uma luz ou um fio aparecendo. Pois essa pressão para não errar se assemelha ao que sentem os personagens do filme, que lidam com uma noite complicada no restaurante do chef Andy Jones (Stephen Graham).
Em prol da narrativa
Andy chega em cima da hora, discutindo com a esposa que cobra mais atenção ao filho. Ele está financeiramente quebrado, e ainda recebe uma visita da vigilância sanitária, que encontra alguns problemas. Sua equipe tem empregados experientes na cozinha, mas também alguns novatos, que ainda cometem erros. Para piorar, a maître está perdida, não consegue lidar com os clientes e cria atritos com o pessoal da copa. Enfim, outros eventos tornarão essa noite ainda mais estressante para Andy, que já está em seu ponto de fervura (como diz o título original). Nessa jornada de poucas horas, ele confrontará seus próprios demônios, pois tudo sai do controle por sua falta de comprometimento. O motivo, descobrimos ao final.
A interpretação de todo o elenco é sublime. Talvez já estimulados pela obrigação de não errar, diante da tomada única, todos parecem realmente estressados. O experiente Stephen Graham, então, faz um tour-de-force, já que ele está em praticamente todas as cenas.
Não é um filme perfeito, e assim fica até mais interessante. A câmera precisa se movimentar, e quando sai atrás do protagonista pelos corredores, causa uma estranheza, evidenciando demais a sua presença. Isso quebra a tensão da cena, mas como a proposta é de filmar em plano-sequência, não há outro jeito (salvo se mudassem o layout do cenário, deixando o escritório e o banheiro, por exemplo, mais perto da cozinha). Em alguns momentos, o operador de câmera perde o foco, mas isso até agrega charme pois marca que se trata de cinema independente.
A experiência do plano-sequência funciona, não incomoda a narrativa (exceto na citada cena pelos corredores) e ainda contribui para o tom da trama. O responsável é o ator Philip Barantini, que merece ainda mais louvor porque O Chef é apenas o seu segundo longa que ele dirige na sua vida.
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Ficha técnica:
O Chef | Boiling Point | 2021 | 92 min | Reino Unido | Direção: Philip Barantini | Roteiro: Philip Barantini, James Cummings | Elenco: Stephen Graham, Vinette Robinson, Alice Feetham, Ray Panthaki, Hannah Walters, Malachi Kirby, Izuka Hoyle, Jason Flemyng.
Distribuição: Synapse.